Este texto poderia ser escrito para Belém, o Sérgio Naya poderia ser substituído por outra pessoa, nossa elite é idêntica e nossos problemas parecidos, substituindo as montanhas, pelos rios, igarapés, hoje canais.
Que tal a gente listar as coisas que atrapalham a nossa cidade ou atrapalharão a nossa cidade?
Eu começo pela enorme qunatidade de prédios comerciais no bairro do Umarizal, os shoppings que estão sendo construídos na Doca de Souza Franco e na Avenida Pedro Alvarez Cabral, as torres gêmeas na Doca, os dois Shoppings já construídos, Iguatemi e Castanheira.......
Urbanismo
por Millôr Fernandes
Casas, ruas, mar, lagoas, montanhas, ah, como eu amo esta cidade. Sair daqui é sempre um sofrimento. Como é que as pessoas conseguem respirar em outros mundos? Posso dizer, como Nelson Rodrigues com sua voz roufenha: “Eu, quando atravesso o túnel do Pasmado, já sinto uma saudade enorme do Brasil”. Do Rio, velho Nelson, você nunca saiu daqui.
Mas me obrigaram a odiar uma parte da cidade – inúmeros edifícios construídos depois dos anos 50, 60, 70, construções que passaram progressivamente da vergonha à obscenidade, do estupro ao assassinato (dos moradores).
O Rio, como todo o Brasil, não tem vulcões, terremotos, nevascas, pavores de gigantescas tsunami. E não merecia o que a canalha de seu governo e de sua burocracia, seus cáftens consentidos, fazem com ele. E eu sempre me pergunto – onde é que essa gentalha mora? Lembrando tudo que se foi, nascido e vivido aqui, cresci com a cidade, fiz nela uma longa viagem no tempo e no espaço - sofro a pungência de uma constatação (não é saudosismo, é ira sagrada): nosso único estilo arquitetônico se chama especulação imobiliária.
Essa especulação, feita por uma elite argentária (em que a gigantesca cobiça é suplantada pela ignorância e grosseria), cujo representante mais nobre é, hoje, Sérgio Naya, destruiu o Morro do Castelo (onde a cidade nasceu e que poderia ter sido 90% preservado), derrubou, por quizíla do General Geisel, o Palácio Monroe (antigo senado), fechou a praia de Copacabana com o muro da vergonha (anos depois o estado, nós, gastou bilhões pra fazer uma praia artificial), e liberou o gabarito de Ipanema pra cada um construir como bem entende. A Barra, bem, da Barra é melhor não falar.
Por isso acho muito pouco esse tombamento do Leblon, que agora se propõe.
Eu quero é tombamento mesmo - na marreta, na britadeira, na implosão -, de crimes urbanísticos cometidos no passado. Imprescritíveis. Escolho apenas dez das agressões (algumas até já indevidamente incorporadas) feitas à paisagem e ao cidadão carioca e que devem ser “corrigidas” prioritariamente.
O leitor carioca escolha as suas.
1º - TORRE DO RIO SUL
Unanimidade internacional em matéria de horror. Tão alta que, construída em Copacabana, tem a mais bela vista do Leblon. Deve ser implodida em dia de ponto facultativo. Quero ver alguém ir trabalhar.
2º - HOTEL SHERATON
Uma agressão, como tantas, importada diretamente dos Estados Unidos. Fechando a praia, ferindo escarnecedoramente uma tradição da legislação brasileira. Os Estados Unidos devem mandar um de seus inúmeros Una-Bombers pra acabar com ele.
3º - EDIFÍCIO CANDIDO PORTINARI
(30 andares, na altura da curva do Calombo) – mesmo olhado de outro lado da Lagoa, a mais de um quilômetro, ainda assim corta a linha da montanha. Receita – implosão discreta, sem choro nem vela.
4º - Hotel OTHON
Av. Atlântica. Um bloco maciço de impedimenta que, entre outras coisas, nos impede de ver a intimidade do vizinho Leonel Brizola. Deve ser entregue ao MST.
5º - SPA, ESTAÇÃO DO CORPO, do Ricardo Amaral
Há trinta anos, Ricardo, que vive de sua simpatia com fins lucrativos, domina a Lagoa com fins lucrativos, cobrando até estacionamento, sem fins lucrativos. Sei que ele, Amaral, vai se incorporar aos nossos apelos e derrubar aqueles muros – 250 metros – assim que ler este saite. Se precisar de ajuda a gente dá.
6º - TIFFANY´S
Monstruosidade na praça General Osório, triplicando o gabarito da área. Fiz enorme campanha contra a construção, no início da obra, apelei para os verdes, os amarelos, o cardeal, e todos me mandaram me queixar ao bispo. O bispo, no caso, era Saturnino Brito, “O homem que desmoralizou a honradez”.
7º - MORADA DO SOL
Dezenas (?) de edifícios de mil andares, em frente ao Canecão. Ali antes do horror, ficava a clínica do jovem Ivo Pitangui. Inúmeras tardes passamos jogando conversa fora lá de cima.
Se houver incêndio num dos edifícios ninguém se salva. Caso para o Tribunal de Haia.
8º - MORRO DA VIÚVA
Inúmeras pessoas nem sabem que atrás das construções compactas existe um morro (o da Viúva). O mais exemplar como abjeção é o Flamengo 200. De quem? Do Flamengo. Vejam se o Fluminense tem um edifício assim.
9º - CAIÇARAS
C onheci o Caiçaras quando era um morrinho com uma casa em cima, não dava nem pruma quadra de tênis. Cheguei a ser sócio. Saí quando os hunos começaram a atacar. Se deixassem, o Caiçaras e o Piraquê acabavam com a Lagoa.
Fazendo um mea-culpa os dois clubes poderiam começar a devolver o espelho da Lagoa. Não precisa muito. Cem metros quadrados por ano. Em cinquenta anos devolveriam tudo. A cidade, antecipadamente, agradece.
10º - IATE CLUBE
Na época da construção o Iate fechou toda sua área com um muro. Houve uma grita, rara, então. O Iate concedeu, fez aberturas no muro, permitindo a visão do mar. Aos poucos taparam de novo com pequenas construções.
Em integração com os novos tempos, o Iate também poderia abrir a parte do muro na avenida Pasteur, em frente à av. Venceslau Brás, dando ao cidadão que sai do túnel em direção ao centro a primeira e impactante vista da enseada de Botafogo.
PS I:
À esquerda do Pão-de-Açucar, está, há mais de trinta anos, um edifício botando acintosamente a cabeça alguns andares acima da linha da montanha. É propriedade do exército, o primeiro edifício a agredir dessa forma a paisagem. Lúcio Costa protestou, na época. Era apenas um arquiteto contra a balística nacional. Não sei porque não foi preso por desacato.
O Exército não poderia dar o primeiro admirável exemplo? Estamos – os dois lados , o civil e o militar – precisando.
PS II:
Desculpem, mas sou um Carioca de Algema. Eu, Carlinhos Lyra, que musicou isso, também é. E, ora, ora!, a cantora Kay Lyra, filha de Carlinhos, com seu conjunto musical do mesmo nome.
sábado, 6 de dezembro de 2008
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