quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Bento XVI: uma renúncia estratégica - Dermi Azevedo
A renúncia inesperada do Papa Bento XVI, em pleno Carnaval, assume, cada vez mais, as características de uma retirada estratégica. Ao ver o barco da Igreja Católica Romana quase à deriva, principalmente nos campos da ética pública e da ética privada, Joseph Ratzinger preferiu optar por viver semi-isolado a sua condição de octogenário.
Não é de agora a intenção de Ratzinger, afirmam fontes vaticanas. Um dos seus maiores amigos, o ex-arcebispo de São Paulo, cardeal Cláudio Hummes, preparou, a pedido do Papa, há cinco anos, um relatório secreto sobre a situação geral da Igreja e suas perspectivas. O documento foi lido na abertura do Sínodo Mundial dos Bispos, no Vaticano e continua mantido sob rigoroso sigilo.
Com base em ampla documentação, o relatório Hummes aponta graves desafios para a atuação do Catolicismo. O principal deles é o avanço do indiferentismo religioso; o segundo é a migração, diante de expectativas não respondidas pela Igreja, de legiões cada vez mais numerosas de católicos para outras confissões cristãs, de matriz pentecostal, em sua maioria, e para outras religiões, como é o caso do Islamismo; o terceiro desafio refere-se à atuação pouco eficaz dos bispos que integram a cúpula eclesiástica para coibir a prática da pedofilia por parte de clérigos; o quarto diz respeito à situação do clero quanto às questões do celibato obrigatório, da impossibilidade da admissão de mulheres ao sacerdócio e das restrições que o Vaticano faz ao controle da natalidade.
No seu relatório, Hummes chama a atenção da cúpula eclesiástica para o avanço de uma espécie de "sentimento de vazio" na sociedade global, caracterizado por uma nouvelle vague decorrente da hegemonia capitalista e da crise das utopias, no pós-queda do Muro de Berlim.
Detalhando um pouco mais esse panorama, os argumentos do cardeal Hummes são reforçados por dados da realidade: na França, o Islamismo já se tornou a religião hegemônica; enquanto velhos templos católicos se deterioram ou são alugados para famílias sem casa de baixa renda (ou são transformados em museus). A República laicista francesa é obrigada a lidar não mais com a disputa de poder com os bispos, mas com questões que (se tivessem acontecido naquela época) deixariam perplexo o rei Luís, como é o caso do uso de burkas pelas mulheres islâmicas, da permissão para a construção de mesquitas e na adoção das normas do Alcorão sobre a família, entre outras.
A preocupação do papa Ratzinger quanto ao pentecostalismo refere-se ao crescimento de um novo modelo de Igreja que adota a chamada "teologia da prosperidade" como referencial teológico e pastoral. Esse modelo baseia-se em um "toma lá dá cá" entre os seus adeptos e Deus, tendo como objetivo o enriquecimento pessoal dos crentes e a cura das doenças, numa perspectiva que desconhece os fatores sócio-econômicos entre as causas da persistência e do avanço dos males sociais (como o desemprego, a violência, as drogas entre outros).
Trunfo jogado fora
A renúncia do Papa coloca em xeque a principal vitória das correntes conservadoras do Catolicismo nos séculos XX e XXI: o enquadramento da Teologia da Libertação quando Ratzinger entrou no consistório para disputar a eleição pontifícia, já contava com pelo menos 50 votos de cardeais contrários à Teologia da Libertação. Essa leitura teológica ainda representa a primeira interpretação não européia da Teologia tradicional com base na realidade dos oprimidos do Terceiro Mundo. Foi trazida, paradoxalmente, da Europa pelo peruano Gustavo Gutierrez e por toda uma legião de bispos e teólogos, com base na Teologia Crítica alemã e nos documentos do Concílio Vaticano II.
Um dos adeptos mais destacados dessa corrente foi o colombiano padre Camilo Torres, que ingressou na guerrilha do ELN (Exército de Libertação Nacional), depois de voltar a seu país, como sociólogo, com doutorado na Universidade de Louvain, na Bélgica. Durante pelo menos 30 anos a Teologia da Libertação alimentou a esperança de milhões de cristãos, que vislumbravam, após mais de 500 anos de colonialismo e de esmagamento dos pobres.
Eleito Papa, Bento XVI tratou de concretizar em nível global a ofensiva conservadora. Seu laboratório anterior havia sido a Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Santa Inquisição) onde havia comandado os processos de expurgo de teólogos como Leonardo Boff e Jon Sobrino. De um momento para outro, a Igreja deixou de ser uma das principais referências para a produção de sentido na sociedade. Entrou em descompasso, mesmo que fosse para polemizar, com a pós-modernidade. Retomou antigos costumes que lhe foram úteis na época da Cristandade, mas que se revelaram incompatíveis com a dinâmica de um mundo em rápida mutação de valores e em plena revolução tecnológica. A linha política adotada pelo Papa afastou da cúpula da Igreja os seus quadros progressistas e a distanciou das massas empobrecidas no mundo.
Corrupção
Por outra parte, Bento XVI tentou impedir, mas não conseguiu, a crescente corrupção nas instituições financeiras do Vaticano. O próprio Instituto de Obras da Religião (como é chamado o Banco Central da Santa Sé) foi apontado publicamente como um paraíso da lavagem de dinheiro oriundo de fontes desconhecidas ou escusas. O papa teve que intervir várias vezes nos órgãos financeiros do Vaticano diante de denúncias de corrupção apresentadas pelos jornais e pelas autoridades italianas. Paralelamente, Bento XVI teve que pagar a conta política dos prejuízos causados à Igreja por causa de indenizações determinadas pela justiça nos casos de pedofilia envolvendo clérigos. A Arquidiocese de Boston, nos EUA, é recordista nesse tipo de despesa.
E o futuro?
O Vaticano e o Papa dispõem de todas as informações sobre a crise que levou Bento XVI à renuncia. A eleição do novo Papa, em março próximo, revelará se a Igreja está mesmo disposta a enfrentar a sua maior crise em dois séculos (XX e XXI) ou se continuará voltada para o seu próprio umbigo.
*Dermi Azevedo é jornalista e cientista político
'Black sites' - Kenneth Maxwell
O Open Society Institute, estabelecido pelo investidor e filantropo George Soros para "promover os direitos humanos e o governo democrático", agora tem alcance mundial e acaba de publicar um relatório assustador sobre as atividades secretas de detenção e extradição não judicial da Agência Central de Inteligência (CIA), desde os ataques terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001.
O relatório "Globalizing Torture" é um estudo detalhado e bem documentado sobre aquilo que o ex-vice-presidente americano, Dick Cheney, descreveu como "o lado escuro", no qual, como ele disse, "temos de viver nas sombras do mundo da inteligência".
Depois do 11 de Setembro, a CIA realizou detenções secretas, e terroristas foram encarcerados em prisões da agência, conhecidas como "black sites", fora dos EUA. Nelas, eram usadas as chamadas "técnicas amplificadas de interrogatório", que envolviam tortura e outros abusos. A CIA também recorria a extradições não judiciais a fim de transferir prisioneiros, sem processo judicial, para prisão e interrogatório em outros países, bem como para a penitenciária administrada pelo Departamento de Defesa americano em Guantánamo. O presidente Teddy Roosevelt, em 1903, adquiriu a base naval de Guantánamo, em Cuba, para os EUA, em caráter perpétuo.
O relatório do Open Society identifica o envolvimento de 54 outros países, alguns dos quais abrigaram prisões da CIA nas quais detentos foram interrogados e torturados. O estudo oferece detalhes sobre 136 casos individuais.
Portugal é um dos países mencionados, por ter permitido o uso de seu espaço aéreo e de aeroportos para voos associados à CIA. Em 2007, um relatório do Parlamento Europeu mencionava 91 escalas em Portugal, em viagens de e para Guantánamo.
Mas Portugal não estava sozinho. E nem foi o pior caso. O "Washington Post" publicou um mapa no qual todos os países envolvidos estão delineados em vermelho.
Excetuada a baía de Guantánamo, a América Latina é notável pela ausência. Greg Grandin, professor de história na Universidade de Nova York, atribui o fato à amarga experiência da América Latina depois do apoio da CIA ao golpe na Guatemala em 1952 e ao consórcio terrorista transnacional da Operação Condor, nos anos 70 e 80, que fez da América Latina o protótipo para a guerra ao terrorismo que Washington empreendeu no século 21.
Mas também agiu como antídoto. Grandin diz que o governo Lula rejeitou "múltiplas" solicitações de Washington para que o Brasil recebesse prisioneiros libertados de Guantánamo. E aponta que Dilma Rousseff foi vítima de tortura pelo regime militar do Brasil, nos anos 70.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/94809-black-sites.shtml
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
A explosão de liberdade - Jânio de Freitas
19/02/2013
Na amazônia de textos provocada pela renúncia de Bento 16 há algo mais, e não percebido, do que as especulações, apreciações e, às vezes, notícias. Nunca o jornalismo, tanto impresso como por transmissão, tratou com tamanha liberdade um papado, a personalidade de um papa e a própria Igreja Católica. A despeito da sua riqueza de sentidos pregressos e de implicações presentes, a grandiosidade deste fenômeno é sinal e parte de uma grandeza ainda maior, que é a modificação dos costumes, ainda incompreensível na sua real dimensão --como demonstra o insuspeitado transbordamento de liberdade verbal suscitado por Bento 16, sem dúvida, à sua revelia.
Mesmo entre os "países católicos", o Brasil é a presença mais novidadeira no fenômeno. França, Itália e Alemanha, baluartes do catolicismo e repositórios das correntes mais retrógradas da Igreja, valiam-se da sobriedade e da densidade para permitir-se alguma presença no jornalismo, informativa e analítica, das políticas da Cúria Romana e da alta hierarquia católica nesses países. Isso, desde muito tempo. Nos Estados Unidos, a presença pouco significativa do catolicismo reduziu, quase a zero, o interesse da imprensa americana pelo tema. Ocasionais notícias de relevo, sim, e nada mais.
Na imprensa brasileira, o slogan da moda foi antecipado em muito tempo: "tolerância zero". Desde que posso dar testemunho profissional e pessoal, quando João 23 oxigenou a Igreja com a redescoberta do cristianismo, no Brasil o cardeal Jayme Câmara e seu ponta-de-lança cônego Bessa impuseram uma regra simples: aqui, não!
Mesmo para manter no "Jornal do Brasil" os dois artigos semanais do pensador católico Alceu Amoroso Lima (ou, como também se assinava, Tristão de Athayde), presidente do Centro Dom Vital de estudos católicos, foi uma batalha que, descrita hoje, pareceria invenção barata.
O imenso "doutor Alceu" entregara-se a reflexões com as premissas simpáticas a João 23, como seria próprio da sua condição de maior intelectual católico daquelas décadas de 50 e 60. Apesar dessa estatura, ele e seus correligionários afinal perderam, mas não assisti à sua saída. Perdera antes dele, por aquela e por outras batalhas, estas no nível mais modesto que se limita ao jornalismo.
A grande engrenagem de populismo e culto à personalidade, que deu ao polonês João Paulo 2º a força para o seu ajuste de contas com os regimes comunistas, não incluiu a coerção tradicional praticada pela hierarquia clerical. Nem precisaria. Na maior parte do mundo, os meios de comunicação tornaram-se pequenos pravdas e izvestias para João Paulo 2º, como os dois jornais soviéticos projetaram o culto à personalidade de Stálin. O final penoso de João Paulo 2º e do seu papado estiveram ainda sob o clima dos 23 anos de suas conquistas emotivas. O que fugiu a esse clima avassalador, aventurando-se em alguma reflexão sobre o papado extinto e seus legados, foi muito pouco. E ainda é.
A personalidade Ratzinger do papa Bento 16 e as características do seu papado por certo contribuíram para que se arrebentassem os cadeados. Criaram, talvez, a vontade, mas a transformação da vontade em exercício, com a largueza de liberdade que se concedeu, precisa de outra explicação.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.
Ratzinger e Martini - Wálter Maierovitch
No ano da fé, o papa Ratzinger apontou como causa do seu ato de renúncia aquilo que os geriatras diagnosticam como “síndrome da fragilidade”. Algo inevitável quando, já na estação do inverno, alcançam-se os 85 anos de idade. Não se trata de doença, mas da perda dos vigores físicos e do ânimo, mantido o intelectual. “Não tenho mais forças, me perdoem”, disse.
Poucos acreditam na “síndrome da fragilidade” e no incontido desejo de Ratzinger de voltar aos livros. Quem deseja isso não deixa uma encíclica a caminho do prelo e não declara que continuará a residir nos jardins do Vaticano, no monastério Mater Ecclesiae, recentemente restaurado. Na sua vida sacerdotal e até chegar a papa, Ratzinger sempre esteve perto do poder e participou, com intervenções progressistas, nos trabalhos desenvolvidos no Concílio Vaticano II, obra de reformulação iniciada por João XXIII.
Grande é o elenco das causas de renúncia dadas como reais. Só não é maior ao das críticas por ele “jogar a toalha”. A mais acerba crítica veio de Stanislaw Dziwisz, arcebispo de Cracóvia e ex-secretário do papa Wojtyla: “Da cruz não se desce”.
Leia mais:
Editorial: Cristo traído
Bento XVI pode surpreender nos soberanos 15 dias finais
O pontificado de Bento XVI foi marcado por desacertos e confusões, com destaque para os escândalos dos sacerdotes pedófilos, do Instituto para as Obras Religiosas (IOR), conhecido como Banco do Vaticano, da fuga de documentos e informações a envolver o condenado e perdoado mordomo Paolo Gabriele, do complô de assassinato do papa, transmitido a ele no ano passado pelo monsenhor Luigi Bettazzi e pelo cardeal Paolo Romeo (que desmentiu depois) e pela permanente luta intestina de poder entre alas.
Além disso, Ratzinger desgastou-se por conta própria, por exemplo, ao atacar o islamismo e, por tabela, o profeta Maomé. Ou quando forçou uma reaproximação com os lefebvrianos, com muitos nazifascistas de batina. E ao apressar a santificação do papa Pacelli, que silenciou quando judeus foram aprisionados em Roma e enviados para campos de concentração nazistas. Deve ser consignado que Ratzinger tentou se corrigir. Pregou no Muro das Lamentações e visitou uma sinagoga. As retratações, nos mundos islâmico e judaico, reforçaram as desconfianças, apesar do sustentado em contrário pelas diplomacias.
Não se deve olvidar, no campo dos “desgastes fatais”, como lembra o jornalista e historiador Corrado Augias na sua obra I Segreti del Vaticano, a inicial resistência de Ratzinger em admitir os casos denunciados de pedofilia por parte de sacerdotes e a tentativa, com o cardeal Soldano à frente, de considerar tudo chiachiericcio (conversa mole).
A mudança de atitude só veio depois de duros editoriais no The New York Times, Der Spiegel, El País, Le Monde e La Repubblica. E, lembra Augias, a resistência de Ratzinger cedeu após a publicação, em 9 de abril de 2010, pela Associated Press de uma carta de próprio punho, quando comandava o antigo Santo Ofício, na qual minimizava acusações de pedofilia contra o padre Stephen Kiesle, de Oakland, Califórnia. O reconhecimento e o pedido de perdão, em encontro com algumas vítimas, só aconteceram depois de muita resistência. No IOR, nunca foram cumpridas as ordens de Ratzinger de aplicação das normas antirreciclagem de capitais recomendadas pela União Europeia. A queda de Gotti Tedeschi, presidente do banco, ainda não foi explicada e, no momento, a magistratura italiana investiga a participação do IOR no escândalo do Banco Monte dei Paschi di Siena, um dos mais antigos em atividade no mundo e terceiro maior da Itália.
Ratzinger, como até os coroinhas da outra margem do Rio Tevere sabem, perdeu o controle sobre a Cúria, composta de ministros escolhidos pelo próprio papa para ajudar na gestão da Santa Sé. Nas sombras das “muras leoninas”, é acusado de insistir em posições conservadoras e no discurso sobre o relativismo ético-moral. Isso teria afugentado fiéis, vocações e batismos na Europa. Na América Latina, abriu espaço para seitas evangélicas. O crescimento de católicos só se verificou na África e na Ásia, e isso pelo trabalho de clérigos progressistas e interessados em melhorar as condições materiais e sociais.
Num resumo, e vale para vaticínios (termo derivado de Vaticano), é significativa a carta deixada pelo cardeal emérito de Milão, Carlo Maria Martini, falecido em agosto de 2012: “Há um tempo tinha sonhos sobre a Igreja. Uma Igreja que trilha pela estrada da pobreza e da humildade, uma Igreja independente dos poderes deste mundo… Uma Igreja que dá espaço às pessoas capazes de pensar de maneira mais aberta. Uma Igreja que infunde coragem, sobremaneira naqueles que se sentem pequenos ou pecadores. Sonhava com uma Igreja jovem. Hoje, não tenho mais esses sonhos. Depois dos 75 anos decidi orar pela Igreja”.
Bento XVI deveria ter ouvido o cardeal morto em 2012. Martini pedia uma Igreja independente
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ratzinger-e-martini/
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Para que tem servido o abaixo-assinado pela cassação do registro de psicólogo de Malafaia: (Por Waldir Santos)
1) Colocar o e-mail dos participantes na lista de endereços vendidos pelo site de abaixo-assinados, para empresas de SPAM;
2) Evidenciar a ignorância das pessoas em relação à inutilidade do documento, já que o que vai determinar a decisão do conselho de psicologia são os fatos, argumentos e a interpretação das normas, e não a quantidade de pessoas (ainda mais pessoas não filiadas) que discordam das coisas que ele pensa ou diz pensar. Basta um pedido individual no conselho regional para que o processo se inicie. O conselho federal não tem competência para cassar registros. Ele julga recursos, mantendo ou modificando a decisão dos regionais;
3) Dar publicidade ao pastor e suas ideias. Quem discorda dele jamais será seu seguidor, mas quem concorda com ele está tendo uma chance de conhecê-lo e se tornando seu fã;
4) Dar dá às pessoas a falsa sensação de que estão fazendo alguma coisa contra o que repudiam, o que lhes deixa numa falsa paz com a consciência.
A cassação do direito de exercício da profissão geraria qual consequência, além de ampliar a sua legião de defensores?
Retiraria a sua fonte de sobrevivência?
Impediria que ele continuasse a divulgar seus pensamentos equivocados, invocando a condição de graduado em psicologia?
Se abaixo-assinado valesse, será que ele não faria um com muito mais assinaturas usando seus tolos seguidores?
Ser inscrito no Conselho de Psicologia garante apenas o direito de exercer a profissão, que, é bom que se lembre, ele não exerce. Ele continuará diplomado, com diploma registrado no Ministério da Educação.
As pessoas não percebem que ele está rindo de todos e ganhando mais dinheiro com isso tudo?
Deus hipotético - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
O GLOBO - 17/02
Um religioso dirá que não faltam provas da existência de Deus e da sua influência em nossas vidas. Quem não tem a mesma convicção não pode deixar de se admirar com o poder do que é, afinal, apenas uma suposição. A hipótese de que haja um Deus que criou o mundo e ouve as nossas preces tem sobrevivido a todos os desafios da razão, independentemente de provas. Agora mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às voltas com a sucessão do comando do seu vasto e rico império, e o admirável é que tudo – o império, a riqueza e o fascínio dos rituais e das intrigas da Igreja de Roma – seja baseado, há 2000 anos, em nada mais do que uma suposição.
Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas têm causado o mesmo dano, em nome da hipótese. Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o próprio islã . Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e intolerante para a sobrevivência de Israel. O fundamentalismo cristão que representa o que há de mais retrógrado e assustador no reacionarismo americano, e as religiões neo-pentecostais que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração da crendice. A igreja católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos, contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas.
Há aquela parábola do Dostoiévski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo, que volta à Terra – o filho da hipótese tornado homem – para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo. Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios do poder. Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que se fosse hoje, deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
Que tipo de Papa - Leonardo Boff
Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?
Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.
Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.
O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos o sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.
Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade.
Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?
Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.
Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.
O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos o sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.
Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade.
O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos libertos.
A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.
O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos.
Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de “Igreja” às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.
O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus.
O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.
O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão.
Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano).
Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.
*Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor de Igreja: carisma e poder, livro ajuizado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger.
Quanto tempo...
Não tinha me dado conta do abandono deste blog, desde 2011.
Voltarei a postar textos, nem que sejam de outras pessoas...
Assinar:
Postagens (Atom)