terça-feira, 18 de novembro de 2008

Terrenos de Marinha: por que a tentativa de extingui-los é um ataque ao patrimônio público e ao meio-ambiente?

A maioria da população mundial está vivendo nas cidades, assim como há estatísticas afirmando que 60 por cento da população mundial vivem em áreas litorâneas, enquanto que 65 por cento das cidades com populações de mais de 2,5 milhões de habitantes estão localizadas ao longo do litoral do mundo.

No Brasil, há ocupação desordenada de praias, várzeas, beira-rios e outros bens de uso comum povo, por ricos e pobres, para fins de moradia ou utilização em empreendimentos industriais e comerciais.

Em especial, um instituto tem causado polêmica no país: os terrenos de marinha. Adjacentes às praias e às beiras-mar e beiras-rios, nas cidades eles foram objeto de ocupação constante e irregular no decorrer dos anos. Hoje, busca-se a regularização dessas ocupações. E é por conta, sobretudo, disso que é alvo dos legisladores para que seja extinto.

Há dezenas de projetos de lei e emendas constitucionais que visam à modificação do seu conceito ou sua simples extinção. Um deles, a Proposta de Emenda a Constituição nº 53/2007 é a que tramita com mais rapidez atualmente. A proposta, ao passo que extingue os terrenos de marinha, distribui a propriedade do instituto a ser extinto entre a União, Estados e Municípios, além de particulares nos casos que enumera.

Mas será que a extinção dos terrenos de marinha solucionará a questão fundiária urbana referente a eles? É disso que trataremos neste breve estudo.

Os terrenos de marinha nasceram praticamente junto com a criação das cidades brasileiras. As constantes invasões das nossas terras, por espanhóis e franceses, fizeram com que a Coroa Portuguesa iniciasse o povoamento efetivo do Brasil, para garantir a defesa e a ocupação do litoral e, assim, o poder de Portugal sobre o seu território.

Porém, apesar dos terrenos de marinha aportarem no Brasil junto com a legislação portuguesa sobre a propriedade, havia diferenças entre o instituto criado pelo direito português e o que se praticou no Brasil. Em Portugal, se dava uma importância econômica às marinhas de sal. Havia legislação dispondo que as terras sobre as quais se preparava o sal pertenciam ao Patrimônio Real e que as marinhas do sal, ou salinas, deveriam ficar reservadas apenas para o Estado

A marinha das Ordenações Portuguesas se transformou em terra de marinha. SANTOS, Rosita de Sousa, in Terras de Marinha já falava da impossibilidade de estabelecer um estudo de direito comparado sobre o tema e de que as terras de marinha, no Brasil, alcançaram um status jurídico por intermédio da prática administrativa, a saber:

“A fixação da figura da marinha, a criação de seu contorno, sua mensuração, e sua implantação definitiva em nosso direito é obra administrativa, que o Direito Histórico foi dimensionando e definindo no correr dos séculos. A ausência de tal criação em outros países não permite o estudo de direito de comparado, porque a atenção daqueles países na reserva de uma faixa livre para uso público, junto ao mar, não os levou a preservar, entre os bens do Estado, qualquer porção de terra sob o regime de propriedade nacional que se assemelhe ao que no Brasil se chama terreno de marinha”.

Esse fato talvez explique porque somente em 1832, os terrenos de marinha tiveram seu conceito caracterizado claramente em legislação. A lei orçamentária de 15 de novembro de 1831, que orçava a receita e fixava a despesa para o ano financeiro de 1832-1833, pela primeira vez determinou que o Ministro da Fazenda iria dispor, em relatório, o que seriam considerados terrenos de marinha para fins de aforamento e arrecadação de rendas, sem contudo definir o seu conteúdo.

O relatório da lei de 1831 foi a Instrução nº 348 de 14 de novembro de 1832, que definiu:

“Art. 4°. Hão de considerar-se terrenos de marinha todos os que, banhados pelas aguas do mar ou dos rios navegáveis, vão até a distancia de 15 braças craveiras para a parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio”

Daí por diante, os terrenos de marinha assumem o seu caráter de elemento gerador de renda, registrado em leis orçamentárias e a regulamentação de todos os casos que surgiram foi, toda ela, feita por meio de atos administrativos.

Hodiernamente os terrenos de marinha, e os acrescidos de marinha, estão gravados como bens da União, pelo art. 20, inciso VII, bem como estão definidas a sua caracterização pelo Decreto-lei nº 9.760/46, a saber:

“Art. 20. São bens da União:
(...)
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;”

“Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

Outro fato histórico que explica, em parte, a grande balbúrdia que se tornou a ocupação dos terrenos de marinha no Brasil foi da administração desses imóveis poder ficar a cargo das Câmaras ou Conselhos Municipais, que podiam aforá-los, mantidos alguns requisitos formais, vejamos:

“Art. 51. O governo fica autorizado a arrecadar no ano financeiro do 1º de julho de 1832 ao último de junho de 1833, as rendas, que foram decretadas para o ano de 1831-1832, com as seguintes alterações:
14ª. Serão postos à disposição das Câmaras Municipais, os terrenos de marinha, que estas reclamarem do Ministro da Fazenda, ou dos Presidentes das Províncias, para logradouros públicos, e o mesmo ministro da Corte, e nas Províncias os Presidentes, em Conselho, poderão aforar a particulares aqueles de tais terrenos, que julgarem convenientes, e segundo o maior interesse da Fazenda, estipulando, também, segundo for justo, o foro daqueles mesmos terrenos, onde já se tenha edificado sem concessão, ou que, tendo sido concedidos condicionalmente, são obrigados a eles desde a época da concessão, no que se procederá a arrecadação. O Ministro da fazenda no seu relatório da sessão de 1832, mencionará tudo o que ocorrer sobre este objeto.” Cf. SANTOS, Rosita. Terras de Marinha, p. 202-203

Apesar, como dito, de terem de “reclamar” às autoridades superiores pedidos de aforamento, não raro os Conselhos Municipais, responsáveis pela administração dos terrenos dados em sesmarias e pelo rendimento dos foros dos terrenos de marinha às suas administrações, intitularam-se verdadeiros proprietários dos terrenos de marinha numa combinação de entendimento que também supunha que tivessem auferido direitos adquiridos através das sesmarias.

Sobre a celeuma jurídica, que já findou ainda no ano de 1905 por decisão do Supremo Tribunal Federal, sobre a quem pertence os terrenos de marinha, por direito histórico, faço referência ao livro “Terrenos de Marinha: proteção ambiental e as cidades”

O que se cuida neste momento é de se ver, a partir do dado histórico, que houve uma omissão legislativa em relação ao tema terrenos de marinha, não atualizando a legislação pertinente à matéria, bem como uma omissão do Poder Executivo em descurar dos órgãos responsáveis pela administração do patrimônio imobiliário da União, e daí constatar que, apesar disso, é temerária a extinção do instituto como proposto pela PEC acima referenciada.

Outros dados importantes para que alcancemos a nossa conclusão, além dos citados nos primeiros parágrafos é de que 6,6 milhões de famílias brasileiras não possuem moradia, 11% dos domicílios urbanos não têm acesso ao sistema de abastecimento de água potável e quase 50% não estão ligados às redes coletoras de esgotamento sanitário e, por isso, em quase todos os municípios aumenta o número de favelas.

Como os terrenos de marinha são áreas consideradas nobres no contexto municipal, eles são alvos constantes de ocupações irregulares, as invasões urbanas.

Assim, os terrenos de marinha tornaram-se para as cidades, hoje, seja do ponto de vista ambiental ou das funções sociais que a propriedade deva cumprir-, elemento decisivo para a sua sobrevivência, porque importantes para a preservação de ecossistemas, de cursos d’água, do equilíbrio climático, além de elemento primordial da sua urbanificação. Acontece que estão desarticulados da moderna legislação ambiental que surgiu a partir dos movimentos históricos relacionados ao meio ambiente.

No caso da questão urbana, a função sócio-ambiental vinculada à propriedade da União em face dos terrenos de marinha confundir-se-á com as tantas funções sociais da cidade. Esta expressão, hoje inserida no Art. 182, caput, da CF/88, refere-se às “chaves do urbanismo” constantes da Carta de Atenas , que listou as funções às quais a cidade deve se prestar: habitar, trabalhar, recrear e circular . Em todos esses aspectos, a propriedade e o meio ambiente ecologicamente equilibrado estarão presentes . O novo Código Civil também contemplou a função social da propriedade, que calha com as funções sociais das cidades, vejamos:

“Art. 1.228. (...) §1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

Quatro fatos políticos recentes colocaram os terrenos de marinha no caminho de uma solução para parte do problema fundiário urbano nacional.

O primeiro foi a criação do Ministério das Cidades, em 2003, cuja missão é “combater as desigualdades sociais, transformando as cidades em espaços mais humanizados, ampliando o acesso da população à moradia, ao saneamento e ao transporte”. Dentro das ações desse ainda novo ministério destacam-se a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS, do programa Papel Passado e da política de apoio à elaboração e revisão de Planos Diretores Municipais.
O segundo foi um olhar mais cuidadoso do Poder Executivo para a Secretaria de Patrimônio da União, órgão responsável pela administração do patrimônio imobiliário da União que, mesmo sem pessoal suficiente e longe do ideal de estrutura operacional, busca regularizar as áreas localizadas em terrenos de marinha.

O terceiro foi o a implementação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, um conjunto de ações governamentais, que no seu viés urbano pretende promover melhorias de saneamento ambiental, habitação, transporte, circulação e regularização.

O quarto e último fato político foi a modificação da legislação do patrimônio imobiliário da União que possibilitará várias formas a regularização fundiária de áreas pertencentes à União

A partir da edição da Lei nº 11.481/07 modificou-se, de uma só vez, a Lei nº 9.636/98, Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001, o art. 17 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei no 11.124/05, o Decreto-Lei no 9.760/46, o art. 7º do Decreto-Lei nº 271/67, o Decreto-Lei no 2.398/87 e até o Código Civil, art. 1.225 e art. 1.473, do Código Civil.

Destacam-se entre as modificações, a dispensa de licitação para cessão de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública, bem como para imóveis e os uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados), cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006; a possibilidade de a cessão gratuita de direitos enfitêuticos relativos a frações de terrenos cedidos quando se tratar de regularização fundiária ou provisão habitacional para famílias carentes ou de baixa renda; a criação, organização e manutenção de um sistema unificado de informações sobre os bens imóveis da União; a possibilidade de concessão de uso especial para fins de moradia às áreas de propriedade da União, inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos; a dispensa de licitação para os casos de alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública, bem como os de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados); a instituição da concessão de direito real de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas; o aumento do tempo de isenção do pagamento de foros, taxas de ocupação e laudêmios, referentes a imóveis de propriedade da União, as pessoas consideradas carentes ou de baixa renda para 4 (quatro) anos; a obrigatoriedade dos cartórios infomarem as operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos Cartórios de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos que envolvam terrenos da União sob sua responsabilidade, mediante a apresentação de Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terrenos da União – DOITU e a transformação de direito real, passíveis de hipoteca, a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso.
A PEC nº 53/07, de autoria do Senador Almeida Lima de Sergipe, é praticamente idêntica a PEC nº 40/99 do ex-Senador Paulo Hartung, hoje governador do Espírito Santo. Diz o texto da proposta:

Art. 1º Fica extinto, para todos os efeitos legais, oinstituto do terreno de marinha e seus acrescidos.
Art. 2º As áreas conceituadas como terreno de marinha e seus acrescidos até a data da vigência desta Emenda Constitucional passam a ter a sua propriedade assim definida:
I – continuam como domínio da União as áreas:
a) nas quais tenham sido edificados prédios públicos que abriguem órgãos ou entidades da administração federal, inclusive instalações de faróis de sinalização náutica;
b) que tenham sido regularmente destinadas a utilização por prestadores de serviços públicos
concedidos ou permitidas pela União;
II – passam ao domínio pleno dos Estados onde se situam as áreas:
a) nas quais tenham sido edificados prédios públicos que abriguem órgãos ou entidades da administração estadual;
b) que tenham sido regularmente destinadas a utilização por prestadores de serviços públicos concedidos ou permitidos pelos Estados:
III – permanecem sob domínio pleno dos respectivos donatários as áreas doadas mediante autorização em Lei Federal;
IV – passam ao domínio pleno dos Municípios onde se situam as áreas:
a) não enquadráveis nas hipóteses descritas nos incisos I a III;
b) nas quais tenham sido edificadas prédios públicos que abriguem órgãos ou entidades da administração municipal;
c) atualmente locadas ou arrendadas a terceiros pela União;
V – passam ao domínio pleno:
a) dos foreiros, quites com suas obrigações, as áreas sob domínio útil destes, mediante contrato de aforamento;
b) dos cessionários as áreas que lhes foram cedidas pela União.
Parágrafo único. Ao oficial do registro imobiliário da circunscrição respectiva, à vista das certidões de quitação das obrigações relativas ao imóvel, compete proceder ao registro de transmissão do domínio pleno em favor das pessoas referidas nos incisos II a V deste artigo.

Havia uma outra PEC no Senado, de nº 27, que propunha apenas a extinção da enfiteuse para os terrenos de marinha e acrescidos. Na Câmara, há quase uma centena de projetos de lei tratando sobre terrenos de marinha, mas destaca-se o Projeto de Lei nº 4.316 de 2001, ainda em tramitação, que pretendia atualizar a Linha de Preamar Médio do ano de 1831 para o ano 2000, bem como tentava definir com quem ficariam as áreas que seriam excluídas do conceito de terrenos de marinha, em vista dessa atualização. Em verdade, este último projeto começou a tramitar no Senado Federal, com o nº 617/99, de autoria do ex-Senador Paulo Hartung, o projeto foi aprovado pelo Senado Federal indo à Câmara dos Deputados, que está servindo, no caso, como Casa Revisora. O projeto havia sido aprovado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, com base no parecer do Deputado Feu Rosa. Porém, ao chegar na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público recebeu parecer contrário do deputado Gerson Gabrielli. Acabou por ser designado outro relator, o Deputado Daniel Almeida, que acabou revendo o parecer do deputado Gabrielle, optando pela aprovação do projeto e rejeição do PL 3593/2000 e do PL 3814/2000, que estavam a ele apensados. O parecer foi aprovado. O projeto está atualmente na Comissão de Finanças Tributação da Câmara. Os dois projetos de nº 3.593, de2000, do Deputado Ricardo Ferraço, diminuia a extensão dos terrenos de marinha para 13 (treze) metros e quase que reproduzia o texto do Projeto do Senador Paulo Hartung, em relação distribuição das áreas já ocupadas. O projeto de Lei nº 3.814, de 200, do Deputado Max Rosenmann, passava a considerar a Linha de Preamar Máxima Atual e não mais a Linha de Preamar Médio de 1831 para fins de determinação dos terrenos de marinha, mas como dito, foram rejeitados na Comissão de Trabalho e Serviço Público.

Todas as propostas conflitam com as possibilidades que se abriram com a modificação da legislação patrimonial da União. Atacam passionalmente a conseqüência, sem cuidar do passivo histórico de incúria por parte do próprio legislativo e do executivo, que se omitiram na atualização da legislação relativa à matéria. E, no presente, não observam a condição administrativa dos municípios brasileiros que, em sua grande maioria, não conseguem cuidar da questão fundiária urbana, nem mesmo quando não há enclaves de patrimonialidade da União, como os terrenos de marinha. A absoluta maioria das capitais enfrentam problemas de assentamentos informais, um verdadeira gargalo administrativo e social.

Calha também à fiveleta, parte do parecer do deputado Gerson Gabrielli, infelizmente rejeitado:

“(...) se, no passado, o domínio da União sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos tinha por justificativa motivos de segurança e econômicos, estes relacionados à arrecadação de receitas patrimoniais, atualmente ganham relevo e não podem ser ignoradas razões ligadas à preservação do meio ambiente. Embora seja verdade que muitos municípios podem disciplinar e fiscalizar eficientemente o uso desse faixa, assegurando a necessária proteção ao meio ambiente, não é menos verdadeiro que muitos outros não dispõem das menores condições para tanto, estando, nesses casos, a União, ainda que com todas as dificuldades enfrentadas pela SPU, mais apta a disciplinar o uso dessas áreas e zelar pela proteção do meio ambiente. É , portanto, no mínimo desaconselhável a transferência generalizada da propriedade das áreas de trata o projeto (...)”


Se é verdade que os terrenos de marinha perderam muito de sua característica original por conta da modificação do relevo do longínguo ano de 1831 para cá, não menos verdade é que, em muitos casos, as áreas abrangidas pelos acrescidos de marinha são importantíssimas do ponto de vista ambiental para as cidades. Na Amazônia, por exemplo, muitas cidades têm vastos territórios e um pequeno adensamento urbano. Isto faz com que elas estejam mais sujeitas à ocupação irregular desses terrenos, por conta da deficiente fiscalização e, portanto, os terrenos estão mais sujeitos a prejuízos ambientais.

Mais, a falta de estruturação institucional dos municípios, com a ausência de órgãos reguladores e gestores das áreas patrimonial e ambiental, mesmo que com a presença do ministério público já bastante capilarizada no país nos dá grandes perspectivas de um futuro sombrio para este patrimônio público ser alvo de constantes invasões.

Todos sabemos que há administrações municipais no Brasil que são verdadeiros feudos familiares políticos e que, não raro, esses feudos também possuem o maior poder econômico local.

Também é de se registrar que proteção ambiental dos terrenos de marinha tornou-se algo a ser resgatado de uma história mal construída. Este tipo de resgate quando toma ares de salvação ou recuperação de algo degradado durante anos é muito mais difícil. A afirmação de SANTOS de que os terrenos de marinha são fruto de decisões e de atos da Administração visando à reserva de um espaço físico para desenvolvimento de uma política econômica, e que assim foi desde a colonização portuguesa e que permanece, de certa forma, até hoje, demonstra o equívoco histórico do tratamento dado ao instituto.

Se a ocupação dos terrenos de marinha, um dia, não se deu de forma equivocada, já que o que se pretendia era o povoamento do País e a melhoria na sua atividade econômica, a partir do momento em que se observou que não havia mais essa necessidade e que, ao contrário, a sua ocupação era danosa a toda a sociedade, a gestão administrativa que ainda se lhe atribuía deveria ter sido modificada, à luz do direito ambiental.

Hoje, boa parte dos terrenos de marinha não servem mais à proteção militar, muito menos servem para ocupação residencial ou implantação de atividade econômica. São, sobretudo, áreas que mereceriam ser consideradas como de proteção ambiental permanente. A visão econômica de apenas se auferir rendas de tais terrenos não pode subsistir, a não ser que as rendas sejam aplicadas nas próprias áreas ocupadas e sob a estrita observância dos interesses municipais.
Porém, quem deve ser o indutor deste processo é a própria União, seja porque deve contas de sua omissão, seja porque tem melhores condições estruturais e financeiras de executar um programa de regularização fundiária urbana, evidentemente em parceria com os Municípios e os Estados federados.

As terras públicas são ainda o grande patrimônio nacional e é dever de todo cidadão e, principalmente, do Poder Público, de cuidar de que elas sejam destinadas, na parte que toca às cidades, de maneira adequada e eficiente para que as funções sociais estabelecidas no Estatuto das Cidades sejam respeitadas.

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