Por Leonardo Boff*
A COP 16 terminou na madrugada do dia 11 dezembro em Cancún com pífias conclusões, tiradas mais ou menos a forceps. São conhecidas e por isso não cabe aqui referi-las. Devido ao clima geral de decepção, foram até mais do que se esperava mas menos do que deveriam ser, dada a gravidade da crescente degradação do sistema-Terra. Predominou o espírito de Copenhague de enfrentar o problema do aquecimento global com medidas estruturadas ao redor da economia. E aqui reside o grande equívoco, pois o sistema econômico que gerou a crise não pode ser o mesmo que nos vai tirar da crise. Usando uma expressão já usada pelo autor: tentando limar os dentes do lobo, crê-se tirar-lhe a ferocidade, na ilusão de que esta reside nos dentes e não na natureza do próprio lobo. A lógica da economia dominante que visa o crescimento e o aumento do PIB implica na dominação da natureza, na desconsideração da equidade social (dai a crescente concentração de riqueza e a célere apropriação de bens comuns) e da falta de solidariedade para com as futuras gerações. E querem-nos fazer crer que esta dinâmica nos vai tirar das muitas crises, sobretudo a do aquecimento global.
Mas cumpre enfatizar: chegamos a um ponto em que se exige um completo repensamento e reorientação de nosso modo de estar no mundo. Não basta apenas uma mudança de vontade, mas sobretudo se exige a transformação da imaginação. A imaginação é a capacidade de projetar outros modos de ser, de agir, de produzir, de consumir, de nos relacionarmo-nos uns com os outros e com a Terra. A Carta da Terra foi ao coração problema e de sua possível solução ao afirmar:”Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança nas mentes e nos corações. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global”.
Este propósito no se fez presente em nenhuma das 16 COPs. Predomina a convicção de que a crise da Terra é conjuntural e não estrutural e pode ser enfrentada com o arsenal de meios que o sistema dispõe, com acordos entre chefes de Estado e empresários quando toda a comunidade mundial deveria ser envolvida. A referência de base não é a Terra como um todo, mas os estados-nações cada qual com seus interesses particulares, regidos pela lógica do individualismo e não pela da cooperação e da interconexão de todos com todos, exigida pelo caráter global do problema. Não se firmou ainda na consciência coletiva o fato de que o Planeta é pequeno, possui recursos limitados, se encontra superpovoado, contaminado, empobrecido e doente. Não se fala em dívida ecológica. Não se toma a sério a crise ecológica generalizada que é mais que o aquecimento global. Não são suficientes a adaptação e a mitigação sem conferir centralidade à grave injustiça social mundial, aos massivos fluxos migratórios que alcançaram já a cifra de 60 milhões de pessoas, a destruição de economias frágeis com o crescimento em muitos milhões de pobres e famintos, a violação do direito à seguridade alimentar e à saúde. Falta articular a justiça social com a justiça ecológica.
O que se impõe, na verdade, é um novo olhar sobre a Terra. Ela não pode continuar a ser um baú sem fundo de recursos a serem explorados para benefício exclusivamente humano, sem considerar os outros seres vivos que também precisam da biosfera. A Terra é Mãe e Gaia, tese sustentada sem qualquer sucesso pela delegação boliviana, e por isso sujeita de direitos e merecedora de respeito e de veneração. A crise não reside na geofísica da Terra, mas na nossa relação de agressão para com ela. Nós nos tornamos numa força geofísica altamente destrutiva, inaugurando, como já se fala, o antropoceno, uma nova era geológica marcada pela intensiva intervenção descuidada e irresponsável do ser humano.
Se a humanidade não se acertar ao redor de alguns valores mínimos como a sustentabilidade, o cuidado, a responsabilidade coletiva, a cooperação e a compaixão, poderemos nos acercar de um abismo, aberto lá na frente.
*Leonardo Boff foi observador na COP-16 em Cancún.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
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