Por Enéas Salati*
Entre as substâncias naturais a água é uma das mais simples em sua constituição utilizando apenas duas das 92 espécies atômicas naturais existentes no planeta, sendo formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). No entanto, a sua existência é um fator determinante para o Planeta Terra ser como ele é: apresentando uma vida orgânica através dos seres vivos vegetais e animais incluindo o próprio homem. Tendo em vista que 77% da superfície do Planeta são cobertos por água seria mais correto chamá-lo de Planeta Água ao invés de Planeta Terra.
Das águas do planeta, 97,5% (ou 1, 351 bilhão de km3) são salgadas e apenas 2,5% (cerca de 35 milhões de km3) são doces, das quais menos de um terço está disponível para o uso humano. Grande parte das fontes de água doce, como rios, lagos e represas, esta sendo contaminada, poluída e degradada pela ação predatória do homem. Em todo o mundo, domina uma cultura de desperdício de água, pois ainda se acredita que ela é um recurso natural ilimitado. Esta situação se revela a cada dia mais preocupante uma vez que a sua disponibilidade está cada vez mais sendo modificada na sua quantidade e qualidade pelas atividades antrópicas.
Devido à grande expansão urbana, a industrialização, a agricultura, a pecuária intensiva e ainda à produção de energia elétrica - que estão estreitamente associadas à elevação do nível de vida e ao rápido crescimento populacional - crescentes quantidades de água passaram a ser exigidas. Em 2000, o mundo todo usou duas vezes mais água do que em 1960. E as previsões revelam que este número não parará de crescer. Tais fatores tornam a água o recurso natural mais estratégico para qualquer país do mundo.
Frente aos desafios apresentados, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a resolução A/RES/47/193 de 22 de fevereiro de 1993, através da qual 22 de março de cada ano seria declarado Dia Mundial das Águas, de acordo com as recomendações da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento contidas no capítulo 18 (sobre recursos hídricos) da Agenda 21. O objetivo é criar um momento de reflexão, análise, conscientização e elaboração de medidas práticas para que a humanidade faça uso sustentável da água disponível no planeta. A cada ano a ONU define um tema destinado à discussão. Para 2010 foi escolhido “Qualidade da Água”.
Mas ainda que a data tenha sido definida, os fatos e números revelam que não há como comemorá-la, ainda. Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, 50% da taxa de doenças e morte nos países em desenvolvimento ocorrem por falta de água ou pela sua contaminação. Em todo o mundo, 2,3 bilhões de pessoas sofrem de doenças disseminadas pelas águas. E mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso fácil a nenhum suprimento seguro de água doce. Muitos dos que têm não possuem nem uma torneira de água em casa.
Mais de dois terços do consumo mundial de água servem para irrigar lavouras e para os animais, e a maior parte é usada para a irrigação em regiões áridas e semi-áridas. A indústria é o segundo maior usuário – 21% do total mundial. Em apenas poucos países altamente industrializados, como EUA, os Países Baixos e a Alemanha, a água é mais consumida pela indústria do que pela agricultura. Em comparação, o volume da água empregado para fins domésticos, incluindo o uso urbano municipal, é relativamente baixo – cerca de 10% do total. Cerca de 30% da água usada nas casas de países desenvolvidos vão para as descargas de vaso sanitário.
Segundo a ONU, em 2000, cerca de 500 milhões de pessoas viviam em países com escassez crônica de água, e outras 2,4 bilhões em países onde o sistema hídrico está ameaçado. Dados do IWMI (International Water Management Institute) mostram que, mantendo-se os níveis atuais de precipitação em 2025, cerca de 1.8 bilhões de pessoas de diversos países deverão viver em absoluta falta de água, o que equivale a mais de 30% da população mundial. E por volta de 2050, estima-se que mais de 4 bilhões de pessoas – quase metade da população mundial – estarão vivendo em países com carência crônica de água.
Embora o número de pessoas servidas por algum tipo de água pura tenha aumentado de mais de 4 bilhões, em 1990, para quase 5 bilhões, em 2000, deve-se levar em conta o aumento populacional: o número de pessoas sem acesso ao suprimento de água pura permaneceu em mais de 1 bilhão. A maior parte dessas pessoas vive na Ásia e na África, onde os serviços rurais estão muito mais defasados em relação aos das áreas urbanas. Mais de um terço da população mundial ainda vive com serviços de saneamento inadequados. O descarte seguro das fezes humanas é um fator básico na luta contra muitas doenças infecciosas, e o esgoto sem tratamento constitui um problema de saúde permanente. Um bom saneamento, fundamental na luta contra doenças, é o ponto de partida para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Mas, engana-se quem acredita que a falta de qualidade das águas e o não tratamento dos dejetos de esgoto são mazelas apenas dos países pobres. Em Nova Délhi, todos os dias, 200 milhões de litros de esgoto sem tratamento são despejados no rio Yamuna. No Canadá, atualmente, 1 trilhão de litros de esgoto sem tratamento são jogados nas águas.
As áreas úmidas ou alagadas estão pouco a pouco sendo destruídas com enormes consequências para muitas espécies de peixes que estão sendo ameaçadas e algumas já extintas e a população de muitos anfíbios já entrou em declínio.
Existem várias alternativas para aumentar a disponibilidade hídrica em diversas regiões. Uma delas é a dessalinização (transformação de água salgada, ou salobra, em doce) que é usada em diversos países, a maioria no Oriente Médio. Mas a quantidade de água do mar transformada em água doce ainda é mínima: responde por apenas 1% do consumo mundial de água, principalmente porque exige uma tecnologia cara e uma enorme quantidade de energia. A outra possibilidade é a transposição de água das regiões mais úmidas para as mais secas e ainda a coleta d’água de chuva e seu armazenamento em cisternas como já faziam os romanos e os hebreus há mais de dois mil anos.
Acredita-se que algumas guerras desse século serão por água. Israel, Jordânia e Síria negociam desde a década de 1950 pelo controle mais eficiente de seus escassos recursos hídrico. O uso conjunto de reservas hídricas exige interação entre os países interessados. A água também pode ser usada como arma de guerra: a destruição deliberada de represas e aquedutos, além da contaminação de água potável, são métodos que já podem ser utilizados por terroristas contra os militares e a população civil.
Neste sentido, o Brasil pode ser considerado um dos centros do mundo: é um país privilegiado com uma descarga de 5,67 X 1012 metros cúbicos de água por ano (ver tabela). Aqui também se encontram o maior rio do mundo – o Amazonas – com uma vazão média de 200 mil metros cúbicos por segundo e o maior reservatório de água subterrânea do planeta – o Sistema Aquífero Guarani. No entanto, essa água está mal distribuída: 70% das águas doces do Brasil estão na Amazônia, onde vivem apenas 7% da população, e apenas 3% de água no Nordeste semi-árido, onde ocorrem períodos de seca extrema. Como solução parcial, um projeto está sendo desenvolvido com o desvio de água do Rio São Francisco para aquela região. Mas a solução definitiva poderia ser a transposição de água das bacias dos Rios Amazonas e Tocantins, que permitiria o transporte de quantidade muito maior de água, permitindo o estabelecimento de atividades agrícolas econômicas em maiores áreas do sertão nordestino.
No Brasil, o maior problema nas regiões densamente povoadas é a degradação da qualidade da água pela contaminação com esgoto urbano e industrial. Praticamente na maior parte das cidades não existe tratamento adequado para o esgoto coletado e em muitos lugares não existe tratamento algum, ou seja, as águas servidas são descartadas diretamente nos córregos e rios mais próximos.
Além da contaminação das águas doces existe ainda a contaminação continua com a degradação da qualidade das águas do mar próximas as regiões povoadas. É um problema geral no Brasil a falta de tratamento das águas que são lançadas no mar, como exemplo, pode-se citar as praias da cidade de Ubatuba e de Caraguatatuba que praticamente são impróprias para o banho o ano todo. No Rio de Janeiro evidencia-se a contaminação da Baía de Guanabara tornando impróprias as praias internas.
O problema da degradação dos recursos hídricos pela contaminação de águas de esgoto é um problema tecnicamente resolvível, é necessário um maior empenho e trabalhos sistemáticos para sua solução.
Além dos fatos já apontados, deve-se lembrar a perspectiva assustadora da mudança do clima global. À proporção que a humanidade queima mais combustível fóssil, o efeito estufa aquece o planeta e aumenta o ritmo da evaporação. A energia liberada pela condensação do vapor d’água na atmosfera aumenta a frequência dos eventos extremos (chuvas torrenciais, furacões e ciclones).
A falta de água é a principal barreira ao desenvolvimento e um motivo importante para que tantos pobres do mundo continuem pobres. A água limpa e acessível se constitui em um elemento indispensável para a vida humana. Para tê-la no futuro, é preciso protegê-la para evitar possíveis guerras em busca de um elemento antes tão abundante: a água com boa qualidade.
Vale relembrar a Declaração Universal dos Direitos da Água
Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.
Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.
Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.
Art. 5º - A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 8º - A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.
Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.
Art. 10º - O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
(*) Enéas Salati é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre Sustentabilidade. É professor, um dos mais conceituados especialistas em água doce do Brasil e diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – FBDS.
(Envolverde/Plurale)
sábado, 27 de março de 2010
segunda-feira, 8 de março de 2010
Aécio inaugura nova sede de governo de R$ 1,7 bilhão
Custo da obra, investigada pela Promotoria, é superior ao orçamento de 7 secretarias
A menos de um mês de sair, mineiro entrega maior obra da gestão, com o nome do avô, Tancredo Neves, que completaria cem anos hoje
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE
A menos de um mês de deixar o cargo, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), inicia sua despedida hoje, com a inauguração da maior obra de seus sete anos de gestão: um complexo administrativo erguido ao custo de R$ 1,688 bilhão.
Após 112 anos, a sede oficial do governo de Minas sai do Palácio da Liberdade, inaugurado junto com a fundação da própria Belo Horizonte, e passa para o modernista Palácio Tiradentes, uma das cinco edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer na Cidade Administrativa de Minas Gerais.
O valor investido vai demorar 18 anos para ser compensado pela economia prevista de R$ 92 milhões anuais. O R$ 1,69 bilhão é superior à soma dos orçamentos aprovados para este ano nas áreas de assistência social, cultura, habitação, meio ambiente, ciência e tecnologia, agricultura e esportes.
Avaliadas inicialmente em cerca de R$ 550 milhões, as obras de engenharia chegaram a R$ 1,1 bilhão, o dobro do previsto. Somada a outros 87 contratos levantados pela Folha desde o início das obras, em janeiro de 2008, o custo total chega a R$ 1,69 bilhão.
A 20 km do centro de BH, às margens da rodovia estadual que leva ao Aeroporto de Confins, a Cidade Administrativa não tem estrutura de serviços no entorno. Para facilitar a adaptação, Aécio reduziu a jornada dos servidores de oito para seis horas, até o final do ano.
O volume de recursos movimentado pelo projeto que virou a menina dos olhos de Aécio Neves chamou a atenção do Ministério Público Estadual.
Hoje, quatro inquéritos estão em andamento, todos referentes a supostas irregularidades em processos licitatórios. Nenhum deles chegou a conclusões, até o momento.
A escolha de 4 de março para a inauguração não foi acaso. É o centenário de nascimento do avô de Aécio, Tancredo Neves (morto em 1985), que dá nome ao centro administrativo.
A inauguração será, essencialmente, um evento político, a última grande cerimônia oficial comandada pelo governador, que se desincompatibilizará para a disputa das eleições. Para que isso fosse possível, a inauguração foi acelerada.
A menos de um mês de sair, mineiro entrega maior obra da gestão, com o nome do avô, Tancredo Neves, que completaria cem anos hoje
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE
A menos de um mês de deixar o cargo, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), inicia sua despedida hoje, com a inauguração da maior obra de seus sete anos de gestão: um complexo administrativo erguido ao custo de R$ 1,688 bilhão.
Após 112 anos, a sede oficial do governo de Minas sai do Palácio da Liberdade, inaugurado junto com a fundação da própria Belo Horizonte, e passa para o modernista Palácio Tiradentes, uma das cinco edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer na Cidade Administrativa de Minas Gerais.
O valor investido vai demorar 18 anos para ser compensado pela economia prevista de R$ 92 milhões anuais. O R$ 1,69 bilhão é superior à soma dos orçamentos aprovados para este ano nas áreas de assistência social, cultura, habitação, meio ambiente, ciência e tecnologia, agricultura e esportes.
Avaliadas inicialmente em cerca de R$ 550 milhões, as obras de engenharia chegaram a R$ 1,1 bilhão, o dobro do previsto. Somada a outros 87 contratos levantados pela Folha desde o início das obras, em janeiro de 2008, o custo total chega a R$ 1,69 bilhão.
A 20 km do centro de BH, às margens da rodovia estadual que leva ao Aeroporto de Confins, a Cidade Administrativa não tem estrutura de serviços no entorno. Para facilitar a adaptação, Aécio reduziu a jornada dos servidores de oito para seis horas, até o final do ano.
O volume de recursos movimentado pelo projeto que virou a menina dos olhos de Aécio Neves chamou a atenção do Ministério Público Estadual.
Hoje, quatro inquéritos estão em andamento, todos referentes a supostas irregularidades em processos licitatórios. Nenhum deles chegou a conclusões, até o momento.
A escolha de 4 de março para a inauguração não foi acaso. É o centenário de nascimento do avô de Aécio, Tancredo Neves (morto em 1985), que dá nome ao centro administrativo.
A inauguração será, essencialmente, um evento político, a última grande cerimônia oficial comandada pelo governador, que se desincompatibilizará para a disputa das eleições. Para que isso fosse possível, a inauguração foi acelerada.
Ao mirar o futuro, Aécio acertou o passado
FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na gravura "O quarto do arquiteto", de Lina Bo Bardi, a arquiteta do Masp criou uma cena com armário entreaberto, mesa com cadeira e uma prateleira. Os personagens são maquetes de edifícios em diferentes estilos. Uma possível interpretação irônica da obra é que os arquitetos possuem soluções guardadas nas gavetas e as utilizam conforme a necessidade. Lembro-me disso diante da nova obra de Oscar Niemeyer.
A Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves é composta por cinco edifícios, encomendados pelo governador Aécio Neves para reunir no extremo norte de Belo Horizonte mais de 40 órgãos estaduais. São três motivos alegados: induzir o desenvolvimento da região, diminuir despesas (principalmente aluguéis) e facilitar a gestão com a convivência entre funcionários. À primeira vista, principalmente se observado por dentro, tudo é uma maravilha: os móveis são novos, os equipamentos, sofisticados, e os espaços, confortáveis -como nas melhores empresas privadas.
Contudo, do ponto de vista arquitetônico não há novidade. O prédio mais imponente abriga o gabinete do governador. É um edifício envidraçado de quatro andares que fica pendurado por estrutura externa. Com mais graça, tal solução foi utilizada por Niemeyer há 40 anos para uma editora na Itália.
Louvando o novo prédio, o arquiteto e o calculista afirmam que ele é "o maior edifício suspenso do mundo". E daí? Eles se vangloriam como se o ineditismo técnico fosse de suma importância para o futuro da humanidade.
Gastando energia em retórica desgastada, Niemeyer deixa de lado questões atuais como a eficiência energética -o complexo tem a maior área de vidros da América Latina. Fachadas envidraçadas voltadas para as faces ensolaradas, por exemplo, é um erro primário que exigirá mais energia do ar-condicionado. Os dois edifícios maiores são destinados às secretarias. Gêmeos, eles são gigantescos e curvos -e também foram retirados das "gavetas" do arquiteto. Eles têm proporção semelhante de um hotel em Petrópolis, desenhado em 1950.
Por fim, além de um auditório pouco gracioso, o conjunto é completo por um centro de convivência, com restaurantes e lojas, que pretende substituir a rua -o espaço primordial de convivência urbana.
E é justamente aí que está o maior problema. Se a arquitetura é requentada, a ideia de pensar em centro administrativo longínquo é tão nova quanto o bonde. Urbanisticamente, é um desastre. O governo deveria permanecer na região central, renovando edifícios subutilizados e incrementando a vida urbana. Ao deixar os edifícios da praça da Liberdade para atividades culturais, serão empobrecidos o uso e a diversidade local. Se na era da revolução das telecomunicações é estranho falar da necessidade do contato físico, para ajudar a desenvolver a periferia seria mais útil financiar transporte coletivo de massa. Claro, daria mais trabalho e menor visibilidade.
Infelizmente, há 50 anos os políticos acreditam na mística de perpetuar-se com um postal de Niemeyer a fim de repetir a trajetória daquele que encomendou Pampulha e Brasília (raríssimos são os que apostam na capacidade arquitetônica de sua própria geração). Aécio Neves cometeu o mesmo erro: mirando o futuro, ele acertou o passado.
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na gravura "O quarto do arquiteto", de Lina Bo Bardi, a arquiteta do Masp criou uma cena com armário entreaberto, mesa com cadeira e uma prateleira. Os personagens são maquetes de edifícios em diferentes estilos. Uma possível interpretação irônica da obra é que os arquitetos possuem soluções guardadas nas gavetas e as utilizam conforme a necessidade. Lembro-me disso diante da nova obra de Oscar Niemeyer.
A Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves é composta por cinco edifícios, encomendados pelo governador Aécio Neves para reunir no extremo norte de Belo Horizonte mais de 40 órgãos estaduais. São três motivos alegados: induzir o desenvolvimento da região, diminuir despesas (principalmente aluguéis) e facilitar a gestão com a convivência entre funcionários. À primeira vista, principalmente se observado por dentro, tudo é uma maravilha: os móveis são novos, os equipamentos, sofisticados, e os espaços, confortáveis -como nas melhores empresas privadas.
Contudo, do ponto de vista arquitetônico não há novidade. O prédio mais imponente abriga o gabinete do governador. É um edifício envidraçado de quatro andares que fica pendurado por estrutura externa. Com mais graça, tal solução foi utilizada por Niemeyer há 40 anos para uma editora na Itália.
Louvando o novo prédio, o arquiteto e o calculista afirmam que ele é "o maior edifício suspenso do mundo". E daí? Eles se vangloriam como se o ineditismo técnico fosse de suma importância para o futuro da humanidade.
Gastando energia em retórica desgastada, Niemeyer deixa de lado questões atuais como a eficiência energética -o complexo tem a maior área de vidros da América Latina. Fachadas envidraçadas voltadas para as faces ensolaradas, por exemplo, é um erro primário que exigirá mais energia do ar-condicionado. Os dois edifícios maiores são destinados às secretarias. Gêmeos, eles são gigantescos e curvos -e também foram retirados das "gavetas" do arquiteto. Eles têm proporção semelhante de um hotel em Petrópolis, desenhado em 1950.
Por fim, além de um auditório pouco gracioso, o conjunto é completo por um centro de convivência, com restaurantes e lojas, que pretende substituir a rua -o espaço primordial de convivência urbana.
E é justamente aí que está o maior problema. Se a arquitetura é requentada, a ideia de pensar em centro administrativo longínquo é tão nova quanto o bonde. Urbanisticamente, é um desastre. O governo deveria permanecer na região central, renovando edifícios subutilizados e incrementando a vida urbana. Ao deixar os edifícios da praça da Liberdade para atividades culturais, serão empobrecidos o uso e a diversidade local. Se na era da revolução das telecomunicações é estranho falar da necessidade do contato físico, para ajudar a desenvolver a periferia seria mais útil financiar transporte coletivo de massa. Claro, daria mais trabalho e menor visibilidade.
Infelizmente, há 50 anos os políticos acreditam na mística de perpetuar-se com um postal de Niemeyer a fim de repetir a trajetória daquele que encomendou Pampulha e Brasília (raríssimos são os que apostam na capacidade arquitetônica de sua própria geração). Aécio Neves cometeu o mesmo erro: mirando o futuro, ele acertou o passado.
Escassez de terreno trava Minha Casa, Minha Vida
FOLHA DE S.PAULO – domingo, 7 de março de 2010
Dificuldade é sentida principalmente em grandes cidades, que têm preços mais altos
Da meta inicial de 1 milhão de casas a serem construídas até o fim deste ano, apenas 327 mil unidades já tiveram os seus contratos assinados
FELIPE BÄCHTOLD - DA AGÊNCIA FOLHA
Uma das principais bandeiras do governo Lula, o programa Minha Casa, Minha Vida enfrenta dificuldades para ser executado em capitais por falta de terrenos para a construção de casas. Devido ao alto custo dos lotes em metrópoles, construtoras e prefeituras não conseguem achar áreas, e os planos acabam transferidos para municípios periféricos.
Florianópolis (SC), que não teve unidades do programa construídas ainda, e Vitória (ES) flexibilizaram leis municipais para viabilizar os projetos. Na faixa de renda familiar de até três salários mínimos -principal foco do programa-, o custo do imóvel pode ser de até R$ 52 mil. Estados e municípios consideram o valor baixo para custear habitação popular.
Passado quase um ano do lançamento do programa, foram contratadas (mutuários ou construtoras já assinaram contratos) 327 mil unidades no país -a previsão inicial do programa é construir 1 milhão de casas até o fim de 2010.
Algumas das cidades apontadas como mais problemáticas são Belo Horizonte e São Paulo. Na capital mineira, até agora não foi contratada nenhuma unidade na faixa de renda familiar até três salários mínimos. As vizinhas Contagem e Betim, juntas, já somam 952.
Em Florianópolis, segundo a Secretaria Municipal da Habitação, áreas já mapeadas "ou são muito caras ou são inviáveis do ponto de vista ambiental ou o proprietário não está interessado" em vender.
O governo da Bahia diz que "somente agora" conseguiu superar o problema de disponibilidade de terrenos em Salvador. "A gente sabia de antemão que na região metropolitana, principalmente em Salvador, iria ter dificuldade para achar", diz Liana Viveiros, superintendente da Habitação. Ela atribui a dificuldade à "própria configuração geográfica" do município.
A Prefeitura de Vitória conseguiu na Câmara Municipal mudanças na legislação que regulava índices de aproveitamento do solo -a porcentagem máxima de área que uma construção pode ter dentro de um terreno. "A gente simplificou alguns índices para reduzir o custo", diz o secretário municipal de Habitação, Sérgio Sá.
De acordo com ele, municípios vizinhos, com espaço territorial muito maior, devem receber mais unidades.
Florianópolis, que fica em parte localizada em uma ilha, quer mudar a legislação para que construções de quatro pavimentos sejam permitidas em áreas onde só as de dois são autorizadas. A justificativa também é a de viabilizar economicamente as moradias.
Mais terrenos
Segundo o Ministério das Cidades, responsável pelo Minha Casa, Minha Vida, se o programa se desenvolve com mais velocidade em cidades de regiões metropolitanas, isso ocorre porque lá há "propostas articuladas pelo setor público ou privado", e não por migração de projetos.
Para o presidente da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) da Prefeitura de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, as outras cidades da Grande SP têm mais facilidade para tocar projetos do tipo porque "têm mais terrenos". "São mais longe [do centro urbano] e são mais baratos", afirma.
Segundo ele, a saída para municípios como São Paulo, que estão com o espaço físico quase todo ocupado, é tornar as construções mais "verticalizadas". Hoje, os prédios de moradia popular costumam ser configurados para cinco pavimentos. O ideal, diz, é projetar mais unidades em um mesmo terreno.
"A forma que a gente vai ter para gerar áreas em São Paulo é verticalizar mais", afirma ele.
Sem escritura
Brasília é outra grande cidade que ainda não teve nenhuma unidade contratada.
O governo do DF diz que o problema ocorria por conta de uma exigência da Caixa Econômica Federal, que opera o programa, de entrega imediata da escritura ao beneficiário. Uma lei local, já alterada, determinava que o documento só fosse emitido após dez anos de ocupação, como forma de evitar irregularidades.
Em Florianópolis, segundo a Secretaria da Habitação, uma dificuldade é a resistência de moradores de áreas vizinhas às destinadas à habitação popular a aceitar o projeto. A discussão de alteração na lei acaba virando um "jogo de forças" entre as comunidades, diz a prefeitura.
Dificuldade era prevista, diz governo
Muitas grandes cidades do país não têm planos diretores que destinem previamente áreas para a construção de moradias populares, segundo o Ministério das Cidades.
Essa falta de terras em metrópoles, diz a pasta, já havia sido prevista durante a elaboração do Minha Casa, Minha Vida.
"Se tiver uma legislação urbanística que estabeleça que o terreno precise ter 500 m2, é evidente que você inviabiliza a construção de uma habitação popular. E isso é um fenômeno que acontece em muitas cidades", diz a secretária nacional da Habitação, Inês Magalhães.
Ela afirma que o governo federal financiou, até 2007, a elaboração de planos diretores em cerca de mil municípios.
O planejamento urbano, lembra Inês, é de competência dos municípios. A secretária afirma ainda que o Minha Casa, Minha Vida está dentro das metas de execução.
Como "efeito positivo" do programa, diz Inês, os municípios estão tendo que rever a regulamentação de áreas para habitação popular.
Para a secretária, a discussão sobre a habitação em metrópoles não pode se restringir à situação de uma só cidade. "São Paulo praticamente junta a região metropolitana com a Baixada Santista como uma macrometrópole só."
O presidente da Cohab-SP, Ricardo Pereira Leite, diz que mudanças no plano diretor, embora necessárias, são "complexas" e demoradas. "É uma coisa que afeta muitos interesses", afirma.
Dificuldade é sentida principalmente em grandes cidades, que têm preços mais altos
Da meta inicial de 1 milhão de casas a serem construídas até o fim deste ano, apenas 327 mil unidades já tiveram os seus contratos assinados
FELIPE BÄCHTOLD - DA AGÊNCIA FOLHA
Uma das principais bandeiras do governo Lula, o programa Minha Casa, Minha Vida enfrenta dificuldades para ser executado em capitais por falta de terrenos para a construção de casas. Devido ao alto custo dos lotes em metrópoles, construtoras e prefeituras não conseguem achar áreas, e os planos acabam transferidos para municípios periféricos.
Florianópolis (SC), que não teve unidades do programa construídas ainda, e Vitória (ES) flexibilizaram leis municipais para viabilizar os projetos. Na faixa de renda familiar de até três salários mínimos -principal foco do programa-, o custo do imóvel pode ser de até R$ 52 mil. Estados e municípios consideram o valor baixo para custear habitação popular.
Passado quase um ano do lançamento do programa, foram contratadas (mutuários ou construtoras já assinaram contratos) 327 mil unidades no país -a previsão inicial do programa é construir 1 milhão de casas até o fim de 2010.
Algumas das cidades apontadas como mais problemáticas são Belo Horizonte e São Paulo. Na capital mineira, até agora não foi contratada nenhuma unidade na faixa de renda familiar até três salários mínimos. As vizinhas Contagem e Betim, juntas, já somam 952.
Em Florianópolis, segundo a Secretaria Municipal da Habitação, áreas já mapeadas "ou são muito caras ou são inviáveis do ponto de vista ambiental ou o proprietário não está interessado" em vender.
O governo da Bahia diz que "somente agora" conseguiu superar o problema de disponibilidade de terrenos em Salvador. "A gente sabia de antemão que na região metropolitana, principalmente em Salvador, iria ter dificuldade para achar", diz Liana Viveiros, superintendente da Habitação. Ela atribui a dificuldade à "própria configuração geográfica" do município.
A Prefeitura de Vitória conseguiu na Câmara Municipal mudanças na legislação que regulava índices de aproveitamento do solo -a porcentagem máxima de área que uma construção pode ter dentro de um terreno. "A gente simplificou alguns índices para reduzir o custo", diz o secretário municipal de Habitação, Sérgio Sá.
De acordo com ele, municípios vizinhos, com espaço territorial muito maior, devem receber mais unidades.
Florianópolis, que fica em parte localizada em uma ilha, quer mudar a legislação para que construções de quatro pavimentos sejam permitidas em áreas onde só as de dois são autorizadas. A justificativa também é a de viabilizar economicamente as moradias.
Mais terrenos
Segundo o Ministério das Cidades, responsável pelo Minha Casa, Minha Vida, se o programa se desenvolve com mais velocidade em cidades de regiões metropolitanas, isso ocorre porque lá há "propostas articuladas pelo setor público ou privado", e não por migração de projetos.
Para o presidente da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) da Prefeitura de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, as outras cidades da Grande SP têm mais facilidade para tocar projetos do tipo porque "têm mais terrenos". "São mais longe [do centro urbano] e são mais baratos", afirma.
Segundo ele, a saída para municípios como São Paulo, que estão com o espaço físico quase todo ocupado, é tornar as construções mais "verticalizadas". Hoje, os prédios de moradia popular costumam ser configurados para cinco pavimentos. O ideal, diz, é projetar mais unidades em um mesmo terreno.
"A forma que a gente vai ter para gerar áreas em São Paulo é verticalizar mais", afirma ele.
Sem escritura
Brasília é outra grande cidade que ainda não teve nenhuma unidade contratada.
O governo do DF diz que o problema ocorria por conta de uma exigência da Caixa Econômica Federal, que opera o programa, de entrega imediata da escritura ao beneficiário. Uma lei local, já alterada, determinava que o documento só fosse emitido após dez anos de ocupação, como forma de evitar irregularidades.
Em Florianópolis, segundo a Secretaria da Habitação, uma dificuldade é a resistência de moradores de áreas vizinhas às destinadas à habitação popular a aceitar o projeto. A discussão de alteração na lei acaba virando um "jogo de forças" entre as comunidades, diz a prefeitura.
Dificuldade era prevista, diz governo
Muitas grandes cidades do país não têm planos diretores que destinem previamente áreas para a construção de moradias populares, segundo o Ministério das Cidades.
Essa falta de terras em metrópoles, diz a pasta, já havia sido prevista durante a elaboração do Minha Casa, Minha Vida.
"Se tiver uma legislação urbanística que estabeleça que o terreno precise ter 500 m2, é evidente que você inviabiliza a construção de uma habitação popular. E isso é um fenômeno que acontece em muitas cidades", diz a secretária nacional da Habitação, Inês Magalhães.
Ela afirma que o governo federal financiou, até 2007, a elaboração de planos diretores em cerca de mil municípios.
O planejamento urbano, lembra Inês, é de competência dos municípios. A secretária afirma ainda que o Minha Casa, Minha Vida está dentro das metas de execução.
Como "efeito positivo" do programa, diz Inês, os municípios estão tendo que rever a regulamentação de áreas para habitação popular.
Para a secretária, a discussão sobre a habitação em metrópoles não pode se restringir à situação de uma só cidade. "São Paulo praticamente junta a região metropolitana com a Baixada Santista como uma macrometrópole só."
O presidente da Cohab-SP, Ricardo Pereira Leite, diz que mudanças no plano diretor, embora necessárias, são "complexas" e demoradas. "É uma coisa que afeta muitos interesses", afirma.
Olimpíada e Copa trazem prejuízo social
do blog da Raquel Rolnik
Reportagem de Jamil Chade publicada em O Estado de S. Paulo no dia 5 de março. Para ler a versão no papel, com infográfico sobre as Olimpíadas, clique aqui.
A organização de Copas do Mundo e Jogos Olímpicos causou a expulsão de milhares de pessoas de suas casas e, na grande maioria dos casos, teve impacto negativo sobre a situação de moradia para a população. A conclusão é da ONU, que apresenta hoje, em Genebra, seu primeiro relatório completo sobre o impacto de megaeventos esportivos sobre a vida das pessoas nas cidades que os sediam e desfaz o mito de que apenas trazem benefícios à população.
No caso do Rio de Janeiro, alerta o estudo, a ameaça de expulsão de moradores de áreas que serão usadas para os Jogos de 2016 é real e o governo terá de dar uma solução.
O trabalho de elaboração do levantamento coube a uma brasileira, Raquel Rolnick, relatora das Nações Unidas para o Direito à Moradia e hoje uma das principais especialistas mundiais na questão. A ONU buscou contato com a Fifa para tratar do assunto. Sequer foi recebida. “Experiências passadas mostram que projetos de reurbanização adotados para a preparação de eventos resultaram em violações extensivas de direitos humanos, em especial o direito à moradia”", alertou Rolnick em seu documento, que será apresentado hoje a governos de todo o mundo.
Expulsões, encarecimento de moradia, falta de alternativas e pressão sobre os mais pobres, que acabam empurrados para as periferias, têm sido algumas das marcas mais características das Copas e Jogos Olímpicos. Para a brasileira, os benefícios econômicos desses eventos não são distribuídos de forma adequada à população e o legado “é longe de ser positivo”".
“Velhas disparidades parecem se exacerbar diante de um processo de regeneração e embelezamento das cidades”", afirma. “As consequências de longo prazo de megaeventos incluem fatos preocupantes.”"
Os exemplos citados pela ONU são inúmeros. Em Seul, em 1988, a Olimpíada afetou 15% da população, que teve de buscar novos locais para morar – 48 mil edifícios foram destruídos. Em Barcelona, em 1992, 200 famílias foram expulsas para a construção de novas estradas. Em Pequim, a ONU admite que 1,5 milhão de pessoas foram removidas de suas casas. A expulsão chegou a ocorrer em plena madrugada. Moradores que se opunham foram presos.
Outra constatação é a alta nos preços de casas. Em Seul, a inflação foi de 20% nos oito meses anteriores aos Jogos. O preço da terra subiu 27%. Em Barcelona, a alta foi de 131% nos cinco anos antes da Olimpíada, contra mais de 50% em Sydney. Em Atlanta, 15 mil moradores foram expulsos de suas casas em 1996 e a inflação no setor imobiliário passou de 0,4% para 8% no ano dos Jogos.
Para Londres/2012, as áreas próximas aos locais dos eventos já sofrem inflação quatro vezes maior que a média nacional.
Em relação à Copa da África, a relatora alerta que os compromissos do governo de proporcionar ganhos sociais com o evento não estão se confirmando. O orçamento para isso é baixo e a Fifa sequer aceitou falar com Raquel sobre o assunto. A ONU pede que a entidade modifique seus critérios para a escolha da sede das próximas Copas. Não houve resposta.
JOGOS DE 2016
Para a Olimpíada do Rio, a ONU já alerta para possíveis violações ao direito à moradia. Um dos problemas seria a Vila do Autódromo, que poderia ter seus moradores expulsos para as obras do evento. Outra preocupação é com relação à falta de informação sobre compensações que moradores de algumas áreas terão de receber.
OS IMPACTOS NA HABITAÇÃO
1988 - Olimpíada de Seul
Em Seul, 15% da população foi violentamente expulsa e 48 mil edifícios foram demolidos em 1988 durante a preparação dos Jogos Olímpicos. A especulação imobiliária aumentou em mais de 20% o valor dos apartamentos e em mais de 27% o de terrenos
1992 - Olimpíada de Barcelona
Duzentas famílias foram despejadas para abrir caminho para a construção de novas rotatórias e outras adaptações urbanísticas antes do Jogos Olímpicos de 1992. A especulação imobiliária em torno dos Jogos resultou num aumento de 131% no preço dos imóveis
1994 - Copa do Mundo dos Estados Unidos
Em Dallas, cerca de 300 pessoas foram expulsas de suas residências por causa da preparação para a Copa do Mundo 1994
1996 - Olimpíada de Atlanta
Em Atlanta, em torno de 15 mil residentes de baixa renda foram expulsos da cidade por causa dos Jogos. Cerca de 1.200 unidades de habitação para os pobres foram destruídas em nome dos Jogos
2000 - Olimpíada de Sydney
Em Sydney, os relatórios indicam que cerca de 6 mil pessoas foram desalojadas na preparação para os Jogos Olímpicos de 2000. A especulação imobiliária em torno dos Jogos elevou em 50% o preço dos imóveis
2008 - Olimpíada de Pequim
Projeto envolveu realocação de moradores em larga escala. Foram relatadas denúncias sobre despejos em massa, por vezes conduzidos por homens não identificados. Cerca de 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas
2010 - Copa da África do Sul
Mais de 20 mil moradores foram removidos e transferidos para áreas empobrecidas da cidade. O ministro da Habitação observou que os planos de construir milhares de casas de baixo custo poderiam ser afetados por mudanças nas demandas do orçamento na preparação para a Copa de 2010
2010 – Jogos da Commonwealth de Nova Deli
Em Nova Deli, na Índia, 35 mil famílias foram expulsas das terras públicas na preparação para os Jogos
2010 - Olimpíada de Inverno de Vancouver
Em Vancouver, mais de 1.400 unidades habitacionais de baixa renda foram perdidas em relação à especulação imobiliária gerada pelos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010
2012 - Olimpíada de Londres
Na capital da Inglaterra, sede dos Jogos de 2012, que antecedemo os do Rio, o preço médio dos imóveis no entorno olímpico aumentou mais de 3%, enquanto no restante da cidade os valores caíram aproximadamente 0,2 por cento
2016 - Olimpíada do Rio
No Rio de Janeiro, diversos assentamentos informais estão sob ameaça de despejo, por causa da construção de instalações esportivas para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016
Reportagem de Jamil Chade publicada em O Estado de S. Paulo no dia 5 de março. Para ler a versão no papel, com infográfico sobre as Olimpíadas, clique aqui.
A organização de Copas do Mundo e Jogos Olímpicos causou a expulsão de milhares de pessoas de suas casas e, na grande maioria dos casos, teve impacto negativo sobre a situação de moradia para a população. A conclusão é da ONU, que apresenta hoje, em Genebra, seu primeiro relatório completo sobre o impacto de megaeventos esportivos sobre a vida das pessoas nas cidades que os sediam e desfaz o mito de que apenas trazem benefícios à população.
No caso do Rio de Janeiro, alerta o estudo, a ameaça de expulsão de moradores de áreas que serão usadas para os Jogos de 2016 é real e o governo terá de dar uma solução.
O trabalho de elaboração do levantamento coube a uma brasileira, Raquel Rolnick, relatora das Nações Unidas para o Direito à Moradia e hoje uma das principais especialistas mundiais na questão. A ONU buscou contato com a Fifa para tratar do assunto. Sequer foi recebida. “Experiências passadas mostram que projetos de reurbanização adotados para a preparação de eventos resultaram em violações extensivas de direitos humanos, em especial o direito à moradia”", alertou Rolnick em seu documento, que será apresentado hoje a governos de todo o mundo.
Expulsões, encarecimento de moradia, falta de alternativas e pressão sobre os mais pobres, que acabam empurrados para as periferias, têm sido algumas das marcas mais características das Copas e Jogos Olímpicos. Para a brasileira, os benefícios econômicos desses eventos não são distribuídos de forma adequada à população e o legado “é longe de ser positivo”".
“Velhas disparidades parecem se exacerbar diante de um processo de regeneração e embelezamento das cidades”", afirma. “As consequências de longo prazo de megaeventos incluem fatos preocupantes.”"
Os exemplos citados pela ONU são inúmeros. Em Seul, em 1988, a Olimpíada afetou 15% da população, que teve de buscar novos locais para morar – 48 mil edifícios foram destruídos. Em Barcelona, em 1992, 200 famílias foram expulsas para a construção de novas estradas. Em Pequim, a ONU admite que 1,5 milhão de pessoas foram removidas de suas casas. A expulsão chegou a ocorrer em plena madrugada. Moradores que se opunham foram presos.
Outra constatação é a alta nos preços de casas. Em Seul, a inflação foi de 20% nos oito meses anteriores aos Jogos. O preço da terra subiu 27%. Em Barcelona, a alta foi de 131% nos cinco anos antes da Olimpíada, contra mais de 50% em Sydney. Em Atlanta, 15 mil moradores foram expulsos de suas casas em 1996 e a inflação no setor imobiliário passou de 0,4% para 8% no ano dos Jogos.
Para Londres/2012, as áreas próximas aos locais dos eventos já sofrem inflação quatro vezes maior que a média nacional.
Em relação à Copa da África, a relatora alerta que os compromissos do governo de proporcionar ganhos sociais com o evento não estão se confirmando. O orçamento para isso é baixo e a Fifa sequer aceitou falar com Raquel sobre o assunto. A ONU pede que a entidade modifique seus critérios para a escolha da sede das próximas Copas. Não houve resposta.
JOGOS DE 2016
Para a Olimpíada do Rio, a ONU já alerta para possíveis violações ao direito à moradia. Um dos problemas seria a Vila do Autódromo, que poderia ter seus moradores expulsos para as obras do evento. Outra preocupação é com relação à falta de informação sobre compensações que moradores de algumas áreas terão de receber.
OS IMPACTOS NA HABITAÇÃO
1988 - Olimpíada de Seul
Em Seul, 15% da população foi violentamente expulsa e 48 mil edifícios foram demolidos em 1988 durante a preparação dos Jogos Olímpicos. A especulação imobiliária aumentou em mais de 20% o valor dos apartamentos e em mais de 27% o de terrenos
1992 - Olimpíada de Barcelona
Duzentas famílias foram despejadas para abrir caminho para a construção de novas rotatórias e outras adaptações urbanísticas antes do Jogos Olímpicos de 1992. A especulação imobiliária em torno dos Jogos resultou num aumento de 131% no preço dos imóveis
1994 - Copa do Mundo dos Estados Unidos
Em Dallas, cerca de 300 pessoas foram expulsas de suas residências por causa da preparação para a Copa do Mundo 1994
1996 - Olimpíada de Atlanta
Em Atlanta, em torno de 15 mil residentes de baixa renda foram expulsos da cidade por causa dos Jogos. Cerca de 1.200 unidades de habitação para os pobres foram destruídas em nome dos Jogos
2000 - Olimpíada de Sydney
Em Sydney, os relatórios indicam que cerca de 6 mil pessoas foram desalojadas na preparação para os Jogos Olímpicos de 2000. A especulação imobiliária em torno dos Jogos elevou em 50% o preço dos imóveis
2008 - Olimpíada de Pequim
Projeto envolveu realocação de moradores em larga escala. Foram relatadas denúncias sobre despejos em massa, por vezes conduzidos por homens não identificados. Cerca de 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas
2010 - Copa da África do Sul
Mais de 20 mil moradores foram removidos e transferidos para áreas empobrecidas da cidade. O ministro da Habitação observou que os planos de construir milhares de casas de baixo custo poderiam ser afetados por mudanças nas demandas do orçamento na preparação para a Copa de 2010
2010 – Jogos da Commonwealth de Nova Deli
Em Nova Deli, na Índia, 35 mil famílias foram expulsas das terras públicas na preparação para os Jogos
2010 - Olimpíada de Inverno de Vancouver
Em Vancouver, mais de 1.400 unidades habitacionais de baixa renda foram perdidas em relação à especulação imobiliária gerada pelos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010
2012 - Olimpíada de Londres
Na capital da Inglaterra, sede dos Jogos de 2012, que antecedemo os do Rio, o preço médio dos imóveis no entorno olímpico aumentou mais de 3%, enquanto no restante da cidade os valores caíram aproximadamente 0,2 por cento
2016 - Olimpíada do Rio
No Rio de Janeiro, diversos assentamentos informais estão sob ameaça de despejo, por causa da construção de instalações esportivas para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016
segunda-feira, 1 de março de 2010
Quantos moradores de rua temos em Belém? Alguém conta?
São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010
SP tem 13 mil moradores de rua, diz censo
Nova contagem, que será divulgada pela prefeitura, mostra que a capital ganhou 4.000 desabrigados em nove anos
Aumento no uso de drogas, falha em políticas sociais e desemprego são explicações, dizem especialistas; albergues têm cerca de 7.000 vagas
DA REPORTAGEM LOCAL
Novo censo feito no fim do ano passado e que será divulgado pela Prefeitura de São Paulo nos próximos dias mostra o que a maioria dos paulistanos já percebeu: é crescente o número de moradores de rua, cada vez mais espalhados por bairros onde a situação era incomum.
Os dados do recenseamento, que trará informações por bairro, idade e sexo, apontam que 13 mil vivem hoje nas ruas.
Para eles, há pouco mais de 7.000 vagas em albergues da prefeitura -eram 8.000, mas no ano passado uma unidade fechou. Conclusão: quase 6.000 não têm onde dormir. E, mesmo assim, sobram vagas.
Em 2000, quando foi feito o censo anterior pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP, eram 8.706 pessoas nessa situação -3.693 em albergues. Ou seja, em nove anos, as ruas ganharam mais de 4.000 pessoas, um aumento de quase 50%.
No período, segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, a população da capital cresceu 5%.
Há várias explicações para isso, nenhuma delas completa: aumento do consumo de drogas -principalmente do crack- e álcool, desemprego e falha em políticas sociais.
Para Camila Giorgetti, doutora em sociologia pela PUC-SP e pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pesquisadora do Observatório Europeu dos Sem-Teto, o fenômeno se deve principalmente à inadequação dos programas assistenciais.
Para ela, é preciso evitar que pessoas cheguem às ruas e garantir a volta rápida às famílias.
Um educador de rua -que, por questão de segurança, não será identificado- é taxativo: a culpa é da droga. No caso, do crack, que leva pessoas a abandonarem trabalho e família.
A Folha acompanhou o trabalho dele, a maior parte do tempo feito na cracolândia, no centro. Ele diz ser comum aparecer gente nova, na maior parte pessoas de até 30 anos.
O que confirma constatação do censo da Fipe: há mais jovens morando nas ruas. A isso também se atribui o crescimento da presença de usuários de drogas entre essa população. Mas a maioria deles ainda é mais velha, acima dos 40. E o álcool continua um problema.
Outra explicação para o fato é o desemprego. Por isso, na opinião de especialistas, o poder público precisa manter programas de qualificação profissional e geração de postos.
"É preciso ter projetos que possibilitem a saída natural da rua. Nas duas últimas gestões, só mantinham albergue e até fecharam vagas", diz Alderon Costa, coordenador da Rede Rua, que administra albergues.
A prefeitura informou que o fechamento do albergue ocorreu por falta de segurança para usuários e funcionários.
A política do governo, segundo Alda Marco Antonio, vice-prefeita e secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, é "fortalecer as famílias para diminuir a entrada de pessoas na rua".
RIO:
POPULAÇÃO VIVENDO NAS RUAS DA CIDADE É DE QUASE 5.000 PESSOAS
No Rio, existem de 4.600 a 4.800 moradores de rua, segundo o secretário de Assistência Social, Fernando Ferreira. Ele diz que cerca de 2.800 são atendidos em abrigos públicos ou conveniados e que os demais ficam nas ruas. Já em Salvador, o número de moradores de rua caiu 37% no ano passado em relação aos dois anos anteriores, diz a prefeitura.
SP tem 13 mil moradores de rua, diz censo
Nova contagem, que será divulgada pela prefeitura, mostra que a capital ganhou 4.000 desabrigados em nove anos
Aumento no uso de drogas, falha em políticas sociais e desemprego são explicações, dizem especialistas; albergues têm cerca de 7.000 vagas
DA REPORTAGEM LOCAL
Novo censo feito no fim do ano passado e que será divulgado pela Prefeitura de São Paulo nos próximos dias mostra o que a maioria dos paulistanos já percebeu: é crescente o número de moradores de rua, cada vez mais espalhados por bairros onde a situação era incomum.
Os dados do recenseamento, que trará informações por bairro, idade e sexo, apontam que 13 mil vivem hoje nas ruas.
Para eles, há pouco mais de 7.000 vagas em albergues da prefeitura -eram 8.000, mas no ano passado uma unidade fechou. Conclusão: quase 6.000 não têm onde dormir. E, mesmo assim, sobram vagas.
Em 2000, quando foi feito o censo anterior pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP, eram 8.706 pessoas nessa situação -3.693 em albergues. Ou seja, em nove anos, as ruas ganharam mais de 4.000 pessoas, um aumento de quase 50%.
No período, segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, a população da capital cresceu 5%.
Há várias explicações para isso, nenhuma delas completa: aumento do consumo de drogas -principalmente do crack- e álcool, desemprego e falha em políticas sociais.
Para Camila Giorgetti, doutora em sociologia pela PUC-SP e pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pesquisadora do Observatório Europeu dos Sem-Teto, o fenômeno se deve principalmente à inadequação dos programas assistenciais.
Para ela, é preciso evitar que pessoas cheguem às ruas e garantir a volta rápida às famílias.
Um educador de rua -que, por questão de segurança, não será identificado- é taxativo: a culpa é da droga. No caso, do crack, que leva pessoas a abandonarem trabalho e família.
A Folha acompanhou o trabalho dele, a maior parte do tempo feito na cracolândia, no centro. Ele diz ser comum aparecer gente nova, na maior parte pessoas de até 30 anos.
O que confirma constatação do censo da Fipe: há mais jovens morando nas ruas. A isso também se atribui o crescimento da presença de usuários de drogas entre essa população. Mas a maioria deles ainda é mais velha, acima dos 40. E o álcool continua um problema.
Outra explicação para o fato é o desemprego. Por isso, na opinião de especialistas, o poder público precisa manter programas de qualificação profissional e geração de postos.
"É preciso ter projetos que possibilitem a saída natural da rua. Nas duas últimas gestões, só mantinham albergue e até fecharam vagas", diz Alderon Costa, coordenador da Rede Rua, que administra albergues.
A prefeitura informou que o fechamento do albergue ocorreu por falta de segurança para usuários e funcionários.
A política do governo, segundo Alda Marco Antonio, vice-prefeita e secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, é "fortalecer as famílias para diminuir a entrada de pessoas na rua".
RIO:
POPULAÇÃO VIVENDO NAS RUAS DA CIDADE É DE QUASE 5.000 PESSOAS
No Rio, existem de 4.600 a 4.800 moradores de rua, segundo o secretário de Assistência Social, Fernando Ferreira. Ele diz que cerca de 2.800 são atendidos em abrigos públicos ou conveniados e que os demais ficam nas ruas. Já em Salvador, o número de moradores de rua caiu 37% no ano passado em relação aos dois anos anteriores, diz a prefeitura.
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