terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Disney: apogeu e agonia de um sonho

VALE A PENA LER O RELATO DE RICARDO KOTSCHO SOBRE A VIAGEM QUE FEZ COM OS NETOS PARA DIISNEY.

Caros leitores,

voltei segunda de manhã da viagem à Disney World, mas com o colapso na malha aérea mundial, que não consegue mais atender à demanda, as minhas malas só chegaram na noite de terça, com meu caderno de anotações e o material que trouxe para escrever este texto. Por isso, a demora para contar a história que segue abaixo.

Ricardo Kotscho

***

Primeiro, os produtos chineses invadiram os Estados Unidos e os americanos compraram. Em consequência, os dólares americanos encheram as burras chinesas, que transbordaram.

Com dinheiro sobrando no bolso, multidões de chineses invadiram a Disney World, o velho símbolo do sonho americano. E o maior parque de diversões do mundo entrou em colapso no final de 2010, não mais dando conta da demanda. Ninguém entrava e ninguém saía, não se conseguia mais andar em meio ao congestionamento de pedestres.

No Magic Kingdom, onde tudo começou meio século atrás, a cidade de fantasia plantada aonde antes havia um pântano, em Orlando, na Flórida, tiveram que fechar os portões ao meio dia, às vésperas do Natal e do Ano Novo.

Além dos chineses, outros ex-pobres do mundo todo, principalmente da Índia, mas também da América Latina e da África descobriram a Disney World e se tornaram maioria na paisagem humana dos parques, desbancando os nativos americanos e os fiéis brasileiros nas filas quilométricas que se formam durante todo o dia em todo lugar. Como se vê, a freguesia do parque acompanhou as mudanças do novo mapa econômico mundial.

Vinte e cinco anos depois de levar minhas filhas, em 1985, volto à Disney com os netos e encontro tudo mudado, embora os cenários, os brinquedos, as atrações, os sons e os cheiros sejam os mesmos no Magic Kingdom.

Mudou o astral, o clima, sei lá, virou tudo uma grande competição, uma agonia por espaço nos restaurantes, nas filas das lanchonetes, nos estacionamentos de carros e de carrinhos de bebê, nos banheiros. O consumismo é infernal, visível a olho nu.

Deixou de ser o paraiso de crianças e idosos, que sofrem um bocado nesta maratona do divertimento a qualquer preço e não encontram lugar nem para sentar. É algo hoje mais para atletas de alta performance que suportam passar horas em pé nas filas para entrar num brinquedo que dura dez minutos.

Para paulistano que gosta de uma fila, é um prato cheio. Tem fila para pegar o trenzinho que leva do estacionamento à entrada do parque, fila para validar a reserva do ingresso, fila para passar na segurança do parque, fila para pegar comida nos self-service, outra fila para pagar, e o resto do dia anda-se de uma fila para outra, que pode durar uma hora, duas horas, três horas…

Ao atingir seu apogeu, batendo recordes de público e de vendas, a Disney é como um grande avião com overbooking permanente, que levanta vôo assim mesmo _ um monumental shopping center a céu aberto em torno de um parque de diversões, com centenas de lojas e praças de alimentação, tudo da mesma grife e do mesmo dono. No coração emblemático do capitalismo, não há concorrência…

A velha ilha da fantasia sofre com os mesmos problemas de qualquer lugar superlotado nesta época do ano: trens quebram, o monorail atrasa, brinquedos param de funcionar, funcionários estressados, carrinhos de bebê atropelando pedestres e vice-versa.

Logo no primeiro dia tive uma boa amostra do que me aguardava. Esperando minha vez na fila do trenzinho do estacionamento, fui abalroado por um nativo de grande porte, provavelmente um herói de guerra aposentado.

O tipo de dois metros de altura por dois de largura me ultrapassou, postou-se diante da porta do trenzinho, segurou a porta e me comunicou: “My family!”, apontando para a fileira de bancos. Sem tropas para enfrentá-lo, o jeito foi esperar o próximo trenzinho.

O curioso disso é que os americanos não fazem a menor questão de ser simpáticos com os turistas, agem sempre como robôs programados para andar em alta velocidade, comem o dia todo andando ou dirigindo, engrossam com facilidade, e a cada ano mais gente no mundo inteiro quer conhecer a Disney.

A maioria dos brasileiros que encontrei e com quem conversei estava vindo pela primeira vez. Era gente de toda parte do país, feliz da vida por estar lá, apesar de todos os contratempos da gincana maluca.

Dava para notar de longe que eram brasileiros porque andam em grupos, falam alto e as mulheres são mais bonitas. Acho que depois de atendidas as necessidades básicas de teto, comida,trabalho e carro, o grande sonho desta imensa nova classe média brasileira é ir à Disney.

Além de ver de perto a turma do Mickey e do Pato Donald, os brasileiros vão a Orlando pensando nas compras e simplesmente enlouquecem nos outlets da vida _ as lojas de fábrica que, após o Natal entraram em liquidação com descontos de até 70%. Tudo nos Estados Unidos é muito mais barato do que aqui: além de roupas, a comida, os imóveis, os carros, o táxi.

“Quanto é 25% de 40?” grita uma patricinha carioca para a mãe no meio da loja, como se estivesse na feira de São Cristovão. “Acho que é dez…”, digo-lhe baixinho para ajudá-la a não dar mais vexame.

No oitavo dia, achei melhor ficar no hotel lendo (devorei o “1822″, um livro fantástico!) e descansando para não atrapalhar os passeios da família com a minha ranzizice. Sem saber falar inglês, passei algumas dificuldades ao esquecer do lado de dentro o cartão que abre a porta do apartamento e quando fui pedir para arrumar as camas. Para completar, a camareira era surda.

Quem gosta de criticar o nível da talevisão brasileira precisa ver a americana. Descontando o fato de que eu não entendia a maioria das coisas que eles estavam falando, só pelas imagens e pelos temas dos programas dava para perceber que damos de dez a zero neles.

Só numa coisa eles ganham: tem mais canais falando de culinária do que programas religiosos. Vai ver que é por isso que os americanos estão cada vez mais gordos. Os índices de obesidade dobraram de 15% da população no fim dos anos 70 para 33% em 2004.

No dia primeiro do ano, não por acaso, numa enquete feita pela rede ABC sobre os maiores desejos dos americanos em 2011 perder peso ficou em primeiro lugar (em segundo, fazer exercícios e, em terceiro, economizar dinheiro). Pelo jeito, querem fazer uma mudança radical de vida.

Os netos voltaram cansados, mas contentes. Só de ver a alegria deles ao encontrar ao vivo os personagens de Disney já valeu a viagem. Eles não vão esquecer tão cedo destes momentos e eu, com certeza, também não vou esquecer nunca o sorriso deles.

É o que eu tinha a contar sobre a viagem. Aos leitores que também puderam viajar nesta época, dentro ou fora do país, peço para falar das suas descobertas e impressões, dar suas dicas, contar suas histórias.

Para mim, o melhor das viagens é sempre a volta ao Brasil e o reencontro com os amigos, trazendo histórias novas para contar. Um dos meus planos para 2011 é viajar menos. E o de vocês?

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