segunda-feira, 3 de março de 2014

E lá se vão 10 anos...

Foi numa segunda-feira, após um domingo de melhora que quase todos os netos a visitaram que, como ela mesma diria, a "maldita" a levou de nós. Foi-se a doçura, até mesmo quando ralhava, foi-se o exemplo presente para nós e para toda a família. Ela era uma mulher à frente de seu tempo. Trabalhou desde mocinha, formou-se quando já tinha seus cinco filhos nascidos e desta sua iniciativa, amigas e parentes também resolveram estudar e ter um nível superior. Era puro amor, puro serviço, alma bondosa e justa. Sou testemunha daquele dito que diz que os filhos nunca mais são os mesmos quando os pais se vão. Mas, sou testemunha também do ciclo da vida que nos renova e nos torna feliz, mesmo faltando peças insubstituíveis e inesquecíveis na nossa vida. Talvez seja exatamente esse o segredo. Para quem vive o amor e no amor as vidas não se acabam. A presença, na ausência, com todas as lembranças e ensinamentos positivos, é mais forte do que a saudade. De todo o choro de toda a tristeza, renasce a alegria. Socorro-me do poeta Gonzaguinha para me dizer hoje uma pessoa feliz, ao lado da minha Carol O' de Almeida, da pequena, alegre, carinhosa e fofa Ana Laura, que ela certamente amaria como amou todos os netos que conheceu, e feliz mesmo longe dos meus nem tão pequenos João Pedro O'de Almeida e Ana Ana Luisa O de Almeida: "É um carinho guardado no cofre De um coração que voou É um afeto deixado nas veias De um coração que ficou É a certeza da eterna presença Da vida que foi Da vida que vai É a saudade da boa Feliz, cantar Que foi, foi, foi Foi bom e pra sempre será Mais, mais, mais Maravilhosamente amar"

Começar de Novo - Ricardo Melo

Folha de São Paulo, 03.03.2014 Admissão pelo presidente do STF de que penas foram elevadas artificialmente aumenta irregularidades Se o Supremo Tribunal Federal pretende recuperar sua respeitabilidade, só há uma saída: refazer, do começo ao fim, o julgamento do chamado mensalão petista. A admissão, pelo presidente do STF, de que penas foram aumentadas artificialmente em prejuízo dos réus fez transbordar o copo de irregularidades da Ação Penal 470. Relembrando algumas: a obrigatoriedade de foro privilegiado para acusados com direito a percorrer várias instâncias da Justiça; a adoção do princípio de que todos são culpados até prova em contrário, cerne da teoria do "domínio do fato"; o fatiamento de sentenças conforme conveniências da relatoria. E, talvez a mais espantosa das ilegalidades, a ocultação deliberada de investigações. A jabuticaba jurídica tem nome e número: inquérito 2474, conduzido paralelamente à investigação que originou a AP 470. Não é um documento qualquer. Por intermédio dos 78 volumes do inquérito 2474, repleto de laudos oficiais e baseado em investigações da Polícia Federal, réus poderiam rebater argumentos decisivos para sua condenação. A negativa do acesso ao inquérito foi justificada da seguinte forma: "razões de ordem prática demonstram que a manutenção, nos presente autos, das diligências relativas à continuidade das investigações [...], em relação aos fatos não constantes da denúncia oferecida, pode gerar confusão e ser prejudicial ao regular desenvolvimento das investigações." O autor do despacho, de outubro de 2006, foi ele mesmo, Joaquim Barbosa. Imagine a situação: o sujeito é acusado de homicídio, o julgamento do réu começa e, durante os trabalhos da corte, antes mesmo de qualquer decisão do júri, a suposta vítima aparece vivinha da silva. "Ah, mas outra investigação afirma que ele estava morto", argumenta o promotor. "Isto vai criar confusão". O julgamento continua. O vivo respira, mas nos autos está morto. E o réu, que não matou ninguém, é condenado por assassinato. O paralelo parece absurdo, mas absurdo é o que fez o STF. A existência do inquérito 2474 tornou-se pública em 2012, em reportagem desta Folha sobre o caso de um executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos. A conexão com a AP 470 era evidente, pois focava o mesmo Visanet apontado como irrigador do mensalão. O processo havia sido aberto seis anos antes, em 2006, portanto em tempo mais do que hábil para ser examinado. Nenhum desses fatos é propriamente novidade. Eles ressurgiram em janeiro deste ano, quando o ministro Ricardo Lewandovski liberou a papelada aos advogados de Henrique Pizzolato. Estranhamente, ou convenientemente, o assunto passou quase despercebido. É hora de acender a luz. O comportamento ao mesmo tempo espalhafatoso e indecoroso do presidente do STF tende a concentrar as atenções no desfecho da AP 470. Neste momento, por razões diversas, pode ser confortável jogar nas costas de Joaquim Barbosa o ônus, ou o bônus, do julgamento. É claro que seu papel é inapagável, mas ele tem razão ao lembrar que o fundamental foi decidido em plenário. No final das contas, há gente condenada e presa num processo que tem tudo para ser contestado. O país continua sem saber realmente se houve e, se houve, o que foi realmente o chamado mensalão. Conformar-se, ou não, com o veredicto da inexistência de formação de quadrilha é muito pouco diante das excentricidades jurídicas, para dizer o menos, que cercaram o julgamento e têm orientado a execução das penas. Embora desperte curiosidade justificada, o que menos importa é o futuro de Barbosa. Quem está na berlinda é o STF como um todo: importa saber se o país possui uma instância jurídica com credibilidade para fazer valer suas decisões.