segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Urbanização em confronto com paisagem natural

REGINA M. PROSPERI MEYER
MARTA DORA GROSTEIN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Publicado nos anos 20, o livro "Paulística etc.", de Paulo Prado, recentemente reeditado, faz uma afirmação trivial e de grande interesse. Vale tanto para entender aquela década quanto este chuvoso verão: "Em SP, está prestes a se extinguir, numa mutação de cena, o primitivo quadro em que se desenrolou a sua história". A observação, entretanto, revela-se criteriosa quando o autor aponta seu primeiro exemplo: a substituição da ancestral araucária pelo "cosmopolita eucalipto". Apesar de certa melancolia diante do mato que se tornou plantação, Prado aposta no progresso. Mas não contou com a permanência na "cena primitiva" de problemas que pareciam tecnicamente controláveis: as enormes enchentes das várzeas paulistanas.
Não há dúvida, toda urbanização ocorre em confronto com a paisagem natural. O termo urbanificação é preciso: dotar o território dos sistemas técnicos que propiciam a vida urbana. É verdade que a cidade foi gradualmente perdendo sua paisagem, mas as enchentes das suas várzeas continuam rotineiras. Apenas a amplitude dos estragos sofreu uma radical mudança. Hoje as enchentes remetem a um novo conceito: o de inundação. Enquanto a enchente estava relacionada ao regime do rio que nas cheias ocupava as suas várzeas, a inundação atinge as casas que foram se acumulando, sem regras ou normas, nas várzeas. Os danos humanos, sociais e econômicos parecem não ter fim.
A falta de atenção em relação às fragilidades do meio natural e a ausência de formas de avaliação da sua capacidade de suporte são faces que começam a se mostrar incontroláveis na urbanização desordenada do solo em São Paulo. Em 1996, a Região Metropolitana de São Paulo tinha um total de 1.017 áreas críticas de inundação, erosão e, consequentemente, de deslizamentos. Apesar das obras realizadas na bacia do Alto Tietê, o número de pontos de inundação não regrediu. E, como as áreas impermeabilizadas aumentaram, podemos dizer que o problema agravou-se consideravelmente.
A clássica opção de projeto viário baseado na ocupação das várzeas de rios, dos córregos e riachos, a "avenida de fundo de vale", impermeabilizou o solo em taxas inaceitáveis, selando a relação da cidade com seus rios e várzeas. Desde a década de 60, período que a metrópole se configurou com o seu atual perfil, foram ocupadas sem critério as planícies aluviais do rio Tietê, do rio Pinheiros e Tamanduateí e seus afluentes.
Por outro lado, é preciso lembrar que existe o Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê, elaborado em 1998 e que continua estratégico como instrumento regulador das ações de drenagem urbana. Dois novos conceitos foram introduzidos naquele plano e precisam ser seriamente assumidos pelo poder público: a vazão de restrição e a outorga do direito de impermeabilização. A primeira regula o volume de água a ser recebido pelos corpos d'água (rios, lagoas, córregos, riachos) de modo que não se exceda sua capacidade de suporte. E a segunda está associada à concessão do direito de intervir no regime hidrológico de uma bacia, visto que a impermeabilização de grandes áreas influencia diretamente o escoamento superficial. Para efetivar o conceito de vazão de restrição relativa à capacidade de suporte do sistema de drenagem, o plano define diretrizes de intervenção dando ênfase à construção de bacias de detenção, os conhecidos piscinões, que funcionam como várzeas artificiais e retardam o escoamento das águas.
Discutidos tecnicamente, os piscinões não representam uma solução exemplar. Sua manutenção é muito exigente, deve ser feita de forma correta e permanente sob pena de se transformarem em mais uma mazela urbana. A argumentação contra os piscinões mascara o essencial de sua proposição: são inexoráveis tendo em vista o longo período que temos pela frente para reverter problemas históricos da urbanização. Dado o nível alcançado pelos problemas causados pelas inundações, a solução não pode mais ser avaliada sem levarmos em conta o problema que vêm atender. A discussão em torno dos piscinões não pode ser substituída pela sua paralisação ou perda de ritmo. As águas das chuvas do verão de 2011 não precisam avisar que já estão se acumulando em algum ponto.
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REGINA M. PROSPERI MEYER é arquiteta, professora titular da FAU/USP e coordenadora do Laboratório de Urbanismo da Metrópole; MARTA DORA GROSTEIN é professora titular da FAU/USP

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Valerá a pena continuar vendo de novo?

Angra dos Reis, São Paulo, Minas Gerais.
A natureza, como venho dizendo durante a existência deste blog, está se encarregando de fazer as reintegrações de posse em áreas onde o homem desafiou a natureza de ocupar porque não havia risco ou porque o dinheiro pode quase tudo, ou porque não tinham dinheiro para ir para outro lugares.
Como é notório, o tempo mudou, o ciclo de chuvas está diferente. Ano passado, o Brasil enfrentou vários períodos de eventos extremos, sobretudo chuvas, durante quase todo ano.
Num período de menos de um mês, São Paulo e Rio experimentaram mais uma vez novos eventos extremos. Os governadores do Rio e São Paulo prometeram voltar seus olhos para a ocupação desordenada, em encostas e beiras de rios.
Vão ser cobrados disso? Vão mesmo voltar seus olhos para isso? Ou veremos mais mortes nas encostas e nas cidades entrecortadas por rios?