segunda-feira, 14 de março de 2011

O Cristo que vive entre nós

Por Mauro Santayana
O papa Bento 16, na biografia de Cristo que acaba de publicar, decretou, de sua cátedra, que Cristo separara a religião da política. Mais do que isso, participa de um dos equívocos de São Paulo – porque até os santos se enganam – o de que, se Cristo não ressuscitou de entre os mortos, “vã é a nossa fé”. Cristo ressuscitou dos mortos, não em sua carne perecível, mas em sua grandeza transcendental. O papa insiste – e nessas insistências a Igreja sempre se perdeu – em que o corpo de Cristo ainda existe, em toda a fragilidade da carne, em algum lugar, ao lado de Deus. Com isso, o Santo Padre separa Cristo da humanidade a que ele pertence, e o situa no espaço da mitologia dos deuses pagãos.
A afirmação mais grave do Papa, de acordo com o resumo de suas idéias, ontem divulgadas, é a de que política e religião são instituições separadas a partir de Cristo. A própria história do Vaticano o desmente. A Igreja Católica – e todas as outras confissões religiosas – sempre estiveram a serviço do poder político, e em sua expressão mais desprezível. Para não ir muito longe na História – ao tempo da associação entranhada entre os reis, os imperadores e o Vaticano, durante a Idade Média -, bastam os exemplos de nosso século. Os documentos existentes demonstram o apoio da Igreja a ditadores como Hitler, considerado, por Pio XII, como “um bom católico”. Mais recentemente ainda, houve a “Santa Aliança”, conforme a denominou o jornalista norte-americano Bob Woodward, entre o antecessor de Ratzinger e o presidente Reagan, dos Estados Unidos, com o propósito definido de acabar com a União Soviética. Por acaso não se trata de uma escolha política do Vaticano a rápida canonização do fundador da Opus Dei, como santo da Igreja, e o esquecimento de grandes papas, como João 23, e de mártires da fé, como o bispo Dom Oscar Romero, de El Salvador?
A religião sempre esteve na origem e na inspiração da política, e, em Cristo, essa identidade comum se torna ainda mais nítida. O campo da razão em que a fé e a política se encontram é o da ética. A ética é uma exigência da fé em Deus e do compromisso com a vida humana. A política, tal como a identificaram os grandes pensadores, é a prática da ética. A ética política significa a busca do bem de todos. Nessa extrema exegese do que seja a ética, como o fundamento da justiça, a boa política é a da esquerda, ou seja, da visão de igualdade de todos os homens.
Em Cristo, a fé é o instrumento da justiça. Quem quiser confirmar esse compromisso político de Cristo, basta ler os Atos dos Apóstolos, e verificar como viviam as primeiras comunidades cristãs, unidas pela absoluta fraternidade entre seus membros, enfim, uma sociedade política perfeita. Ao negar a essencial ligação entre a fé cristã e a ação política, o papa vai além de seu velho anátema contra a Teologia da Libertação, surgida na América Latina, um serviço que ele e Wojtyla prestaram, com empenho, aos norte-americanos. Ele se soma aos que, hoje, ao separar a política da ética da justiça, decretam o fim da esquerda.
Esse discurso – o de que não há mais direita, nem esquerda – vem sendo repetido no Brasil. Esquerda e direita, ainda que a denominação venha da França revolucionária de 1789, sempre existiram. Na Palestina, no tempo de Jesus, a esquerda estava nos pescadores e pecadores que o seguiam, e a direita nos “fariseus hipócritas”, que, no Sinédrio, e a serviço dos romanos, o condenaram à morte.
O papa acredita que a Igreja sobreviverá à crise que está vivendo. Isso é possível se ela renunciar a toda sua história, a partir de Constantino, e retornar ao Cristo que andava no meio do povo, perdoava a adúltera, e chicoteava os mercadores do templo. O Cristo que ressuscitou dos mortos está ao lado dos que vêem a fé como a realização da justiça e da igualdade, aqui e agora

quarta-feira, 2 de março de 2011

A Boa Morte 2

A postagem aí embaixo traduz uma curiosidade e uma angústia atuais em mim, em razão do número de pessoas que tem partido e estão prestes a partir de minha convivência.
A morte, apesar de tantas tentativas de explicação, compreensão e fé, ainda não se traduziu em momento eletivo.

Eu desconheço alguém que tenha morrido e manifestado, antes do momento final, satisfação ou motivação por morrer. Já ví resignação, conformação, fé, esperança, alegria nenhuma.

Mais do que isso, em virtude das características contemporâneas, assistimos mortes violentas (quantas pessoas você não conhece que já morreram em tentativas de assalto), por cânceres (quase uma epidemia nos dias atuais), dengues, gripes avárias e suínas, no trânsito...

Esses tipos de mortes, como em quase tudo hoje em dia, nos tiram o dom da sociabilidade, do acolhimento, do contato humando, tal como os computadores e suas redes nos tiram o convívio pele-a-pele, intelecto-intelecto, conversa-a-conversa.

São mortes rápidas, e quando não rápidas, contrangedoras - quantas pessoas você não conviveu com câncer sem poder dizer que ela estava com a doença -, que nos arrancam as pessoas que amamos e estimamos quando menos esperamos ou sem que estejamos preparados para isso.

Preparação. Desde que perdi meu pai e minha mãe, de maneira nem tão rápida, mas dor terebrante, tenho procurado viver a vida em acolhimento com as pessoas que mais considero. O contato pessoal, o convívio, o conversar, o frequentar, tem sido um objetivo.

Tudo isso porque, em ambos os episódios paterno e materno, senti falta de viver a réstia de suas vidas de modo intenso. Não a intensidade da alta-rotatividade dos dias presentes, mas uma intensidade serena, do carinho, da memória dos bons momentos, do receber os conselhos da experiência de vida, do afago, do beijo, do dizer que ama, etc.

Quem sabe a preparação não esteja aí, para quem fica e para quem vai. Ter a exata noção da finitude da vida e não esquecer de dedicar todos esses sentimentos enquanto estamos vivos.

A Boa Morte

Do endereço eletrônico

http://www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/francisca_marques.htm

"As Escrituras nada dizem sobre os últimos anos de Maria. Acredita-se que tenha tido morte natural, aos 70 anos, e é provável que isso tenha ocorrido por volta de 48 ou 49dC. Referências sobre o assunto são encontradas apenas em Evangelhos Apócrifos sobretudo no livro de São João Evangelista datado por Tischendorf (1866) como escrito no século IV. Este evangelho teria tido grande difusão entre os bizantinos (Zilles 2001:221).

De acordo com esse apócrifo, Maria, numa sexta-feira, orando no sepulcro, teria recebido a visita do Arcanjo Gabriel para anunciar que era chegado o momento de sua morte. Ao saber da notícia Ela pede à Cristo que lhe envie os apóstolos para que lhe assistam no momento de sua passagem. As suas orações são atendidas por intercessão do Espírito Santo:

E no momento de sua imaculada alma sair, o lugar foi inundado de perfume e de uma luz inefável. E eis que se ouviu uma voz do céu que dizia: "Bendita és tu entre as mulheres!" Então Pedro, e também eu, João, Paulo e Tomé, abraçamos com toda pressa os seus santos pés para que fossemos santificados. E os doze apóstolos, depois de colocar seu santo corpo no ataúde, levaram-no. (Zilles 2001:237).

A morte de Maria está relacionada ao modelo da morte e ressurreição de Jesus Cristo. No entanto, o momento da passagem de ambos traz interpretações diferentes à ars moriendi. Cristo teve uma morte heróica, depois da via crucis, do martírio, com dor e sofrimento. A sua morte para os cristãos é considerada instrumento de libertação e salvação. Maria teve uma morte gloriosa, ou seja, Ela compartilhou do sofrimento e da morte por toda a sua vida mas não sofreu ao morrer, e assim sendo, diz-se que ela, como o Cristo, venceu a morte. Para os teólogos a finalização da vida terrestre de Maria é descrita "como morte provocada por um "êxtase", um "trânsito" ao céu, uma espécie de "adormecimento" (Strada 1998:117). Boff (2000:178-185) entende que a morte foi um bem perfeitamente assimilado por Nossa Senhora. Para ele, com a morte irrompe a vida liberta como força latente da mortalidade. Através da morte o ser humano vai de encontro à possibilidade de entrega a algo maior que o transcende [Deus] e o realiza sumamente.

Na catequese de João Paulo II (1997) o papa considera que "se Cristo morreu, seria difícil afirmar o contrário no que concerne à Mãe (...)"; que "os apóstolos se reuniram para enterrar seu corpo"; e que "Cristo a ressussitou do sepulcro".

Segundo Strada (1998:116) a festa do "adormecimento" começa a ser celebrada em Jerusalém no século VI. Já no século VII se estendia a toda a Igreja bizantina, sob o nome de kóimesis tés theotokv, que quer dizer "Dormição da Mãe de Deus" (Passos 1992:70). Seria no século VIII que o termo apareceria no sacramentário do papa Adriano com o nome de Assumptio, Assunção, quando então foi extendido a todo o ocidente.

Embora o imperador Maurício (599-602) tenha fixado a data de 15 de agosto para celebrar a festa da Assunção de Maria, os textos apócrifos, e uma posterior resolução da Igreja Católica, que se mantém ainda hoje, mantém o domingo fixo à essa comemoração:

"Já sabeis que em domingo realizou-se a anunciação do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria, e que em domingo nasceu o Salvador em Belém, e que em domingo os filhos de Jerusalém saíram com ramos ao seu encontro, dizendo: "Hosana nas alturas! Bendito aquele que vem em nome do Senhor", e que em domingo ressuscitou dentre os mortos, e que em domingo, finalmente, baixará dos céus para honrar e glorificar, com sua presença, a partida da santa e gloriosa virgem que lhe deu à luz" (Apud Zilles 2001:234)

A propósito da introdução do culto à Boa Morte pelos jesuítas portugueses no Brasil e a difusão de irmandades leigas na segunda metade dos setecentos em Minas Gerais, Campos (1995) atribui à mentalidade barroca uma profunda angústia diante da morte e um extremo apego e desgosto pela efemeridade da existência terrena que levaria à ânsia de salvação eterna. Ao mesmo tempo que tinham "horror declarado à decomposição do corpo, ainda que a cultura oficial insistisse na imortalidade da alma, os cristãos tinham incertezas em relação à sentença que lhes seria proferida no Juízo particular, concomitantemente à morte". Considerando as análises do teólogo Michael Schmaus a pesquisadora salienta:

É a angústia condizente com a separação da família, dos amigos e das formas humanas de existência e, nesse sentido, a morte é solidão para os que ficam e para os que partem. Com ela são definitivamente encerradas as possibilidades de vida pessoal e social, concluindo-se absolutamente o destino humano."