21/01/2009 - 00h01
Jovem redator faz de Obama um orador brilhante
Francisco Peregil
Em Washington
Um homem pratica esporte em Washington perto do memorial de Abraham Lincoln, diante da imponente estátua do presidente que em 1863 proclamou o fim da escravidão. Ali mesmo, em 28 de agosto de 1963, sob as palavras de Lincoln gravadas no mármore, Martin Luther King pronunciou seu legendário discurso "Eu tenho um sonho": "Que meus quatro filhos vivam um dia em uma nação na qual não sejam julgados pela cor de sua pele, mas por sua reputação. Que um dia sobre as colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos que foram escravos e os filhos dos que foram proprietários de escravos sejam capazes de...".
Jon Favreau para de correr e pensa no que sabe que não deveria pensar: amanhã estarão no Memorial a Lincoln milhões de pessoas para ouvir o discurso de Barack Obama, um discurso que durará 20 minutos e no qual este homem de 27 anos trabalhou durante mais de dois meses.
Semanas antes das férias do Natal, Obama e seu conselheiro David Axelrod se reuniram em Chicago com Favreau para lhe dar as diretrizes do que deveria ser o discurso. Assobiaram a música sabendo que Favreau colocaria a melhor letra. Ele estudou os discursos de posse de outros presidentes, reuniu-se com Peggy Noonan, redatora dos discursos de Ronald Reagan, encarregou um membro de sua equipe de estudar os pronunciamentos presidenciais em tempos de crise e outro de entrevistar vários historiadores.
Bill Burton, porta-voz de Obama, disse a Favreau: "Você percebe que o que está escrevendo as pessoas vão pendurar em cartazes em seus quartos?" Mas se pensasse nisso Favreau ficava paralisado. Se pensasse que desde 20 de janeiro passaria a ser o redator de discursos mais jovem que já trabalhou na Casa Branca e que suas palavras poderão um dia ser gravadas em mármore, não avançava.
Favreau prefere continuar sendo Favs, o rapaz que leva o computador portátil para as lanchonetes e escreve dali enquanto se comunica com seus amigos no site Facebook, o sujeito que comprou um apartamento de um quarto em Washington e o mobiliou apenas com um colchão inflável, o escritor que durante a campanha eleitoral declarou que não tinha namorada e que muita gente, quando lhe perguntava qual era sua ocupação, não acreditava que fosse o redator de Obama.
Favreau também foi criticado às vezes pela suposta vacuidade e excessiva beleza de seus discursos. "Meu rival faz discursos. Eu ofereço soluções", costumava dizer Hillary Clinton quando competia com Obama nas primárias. Mas a oratória de Obama a foi dominando. Depois de ganhar as presidenciais, um amigo de Favs expôs durante duas horas no Facebook uma foto na qual ele era visto muito sorridente em uma festa enquanto segurava o peito de uma figura de papelão de Hillary Clinton. A foto saltou do Facebook para o resto da rede e daí para a imprensa. Aparentemente, a brincadeira não incomodou muito a próxima secretária de Estado do país.
Em meados de setembro o jornal "The Washington Post" colocou Favreau em sua capa e quase já não se mencionava o caso Hillary. O grande tema era o primeiro discurso do primeiro presidente negro. Favreau falou do medo que o paralisa quando passa diante da estátua de Lincoln e de sua comunicação com Obama, que declarou várias vezes que, mais que um redator, ele parece "um leitor de mentes". Favreau também contou que até alguns meses atrás dividia um apartamento com seis amigos, quase não se barbeava, nunca cozinhava e costumava ficar até de madrugada jogando videogame.
Obama, que já escreveu dois livros autobiográficos, e Favreau criaram alguns dos discursos mais memoráveis das últimas décadas, o que é dizer muito em um país onde o discurso político tem o grau de gênero literário e as palavras de presidentes como Franklin D. Roosevelt - "A única coisa da qual devemos ter medo é o próprio medo" - ou John Fitzgerald Kennedy - "Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país" - fazem parte da memória coletiva.
Em março de 2008, em plena campanha eleitoral, Jeremiah Wright, o sacerdote que casou Obama e batizou suas duas filhas, pediu "que Deus amaldiçoe a América" por causa do racismo. Quando Obama enfrentou a polêmica com um discurso sobre o racismo que incendiou negros e brancos e foi qualificado de histórico por centenas de jornais - "A raiva é real, é poderosa e o simples fato de desejar que desapareça, ou condená-la sem entender suas raízes, só serve para aumentar o abismo da falta de entendimento que existe entre as raças" -, a pluma de Favreau já estava cumprindo seu trabalho. Cinco meses depois, em Denver, quando Obama colocou no bolso os delegados democratas com seu discurso para uma platéia de 38 milhões de telespectadores - "Temos mais riqueza que ninguém, mas isso não nos torna ricos. Temos as maiores forças armadas da terra, mas não é isso que nos faz fortes. Nossas universidades e nossa cultura são a inveja do mundo, mas não é por isso que o mundo se aproxima de nós. É o espírito americano, essa promessa americana que nos empurra quando o caminho se torna incerto. Essa promessa constitui nossa maior herança" -, Favreau também havia feito seu trabalho. Na noite em que Obama ganhou as eleições e pronunciou um discurso em Chicago - "Se ainda resta por aí alguém que duvida que os EUA são um lugar onde tudo é possível..." - que comoveu milhões de cidadãos, Favreau também tinha pronto o da derrota, caso seu chefe perdesse.
O discurso que Obama pronunciou nesta terça-feira ficará para a história como seu discurso, mas Favreau também levará sua parte de reconhecimento. Nos EUA, os redatores que escrevem para outras pessoas são chamados de fantasmas ("ghost writers"). Robert Schlesinger, filho de um redator de discursos de Kennedy e autor do livro "Os Fantasmas da Casa Branca", escreveu em seu blog que a chave do sucesso de um fantasma é saber captar a voz de seu chefe, que tenham trabalhado muito tempo lado a lado e que o chefe confie plenamente nele.
A história de Favreau como grande escritor começou em um verão quatro anos atrás em Boston, quando tinha só 23 anos e trabalhava para o candidato democrata à presidência, John Kerry. Favreau viu atrás do palco da convenção um senador ensaiando seu discurso e não hesitou em aconselhar que ele suprimisse uma frase porque parecia redundante. O senador era Barack Obama. E o discurso que ensaiava era uma peça brilhante que marcaria um antes e um depois na política americana. Mas Favreau se atreveu a fazer aquela sugestão.
"Obama me olhou um pouco confuso, como que dizendo 'Quem é esse garoto?'", declarou Favreau a vários veículos da mídia. No ano seguinte Favreau ficou desempregado e pediu uma entrevista com Obama para trabalhar como redator de discursos do senador. Depois de meia hora conversando sobre a família e o beisebol, Obama lhe perguntou qual era sua teoria sobre os discursos. E Favreau, que acabara de se formar em ciências políticas na Universidade Holy Cross de Worcester (Massachusetts), disse: "Um discurso pode ampliar o círculo de pessoas a quem essa coisa interessa. É como dizer à pessoa que sofreu: 'Eu a escuto. Mesmo que você esteja decepcionado e cínico em relação à política do passado, porque tem boas razões para se sentir assim, podemos ir na direção correta. Me dê apenas uma oportunidade'".
Obama a deu a Favreau. Ele fez o mesmo com Adam Frankel, 26, e Ben Rhodes, 30, que trabalharam sob suas ordens na campanha. E juntos se encarregaram de buscar as melhores palavras de ânimo em uma época desanimadora.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
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