terça-feira, 5 de outubro de 2010

A agroenergia serve à vida ou ao capital?

Por Leonardo Boff




No artigo anterior abordamos a energia como um dos maiores enigmas do universo, especialmente, a Energia de Fundo que sustenta o cosmos e cada ser. Agora concentramo-nos na agroenergia, a mais saudada nos dias atuais por causa da crescente exaustão da matriz energética fóssil. Ela é vista como uma espécie de Arca de Noé salvadora do atual sistema.

Naturalmente, a energia, pouco importa seu tipo, é imprescindível para tudo, particularmente é o motor da ecocomia de mercado e para todas as civilizações.

Quem quiser ter um apanhado bem fundado do tema numa perspectiva global, passando pelos paises produtores e analisando os principais agrocombustíveis e, em geral, a bioenergia, deve ler o livro de François Houtart, A agroenergia: solução para o clima ou saida da crise para o capital? (Vozes 2010). O autor, sociólogo belga, muito conhecido em todo o terceiro mundo por ter criado em Louvain um Centro Tricontinental onde forma quadros da melhor qualidade, vindos do Grande Sul, para atuarem de forma tansformadora em seus respectivos paises, entre eles muitos brasileiros. É um dos fundadores e animamdores do Forum Social Mundial.

A utilização de energias renováveis obedece a dois imperativos: o primeiro, a curta longevidade do petróleo, cerca de 40 anos, do gás, 60 e 200 para o carvão: o segundo, é a salvaguarda do meio ambiente e o controle do aquecimento global que, descuidado, pode pôr em risco toda a civilização.

Mesmo assim, um substituto à energia fóssil não é ainda, a médio prazo, alcançável. A agroenergia representará em 2012 apenas 2% do consumo global e poderá chegar a 7% em 2030, supondo a utilização do conjunto das terras agricultáveis da Austrália,da Nova Zelândia, do Japão e da Coréia do Sul. Se forem utilizadas todas as superfícies produtivas da Terra alcançariam o equivalente ao petróleo que é um bilhão e 400 bilhões de barris/dia. Ora, as demandas atuais se elevam a 3 bilhões e 500 milhões, tendendo a subir. Aqui emerge um impasse sistêmico. Tal fato obrigaria pensar num outro modo de produção e de consumo, menos energívoro.

Se houvesse sentido de futuro coletivo, compaixão para com a humanidade sofredora, grande parte dela submetida à fome, à escassez de água potável e a todo tipo de enfermidade e se predominasse o cuidado para com a Mãe Terra contra a qual movemos guerra total no solo, no subsolo, nos ares, nos rios e nos oceanos, refletiríamos seriamente como encontrar um modo de habitar o planeta com mais sinergia com os ritmos da natureza, com responsabilidade coletiva pela inclusão de todos e com benevolência para com a comunidade de vida. Agora seria a grande ocasião. Mas nos falta sabedoria e ainda acreditamos nas possibilidades ilusórias do desastroso sistema capitalista que nos levou ao impasse atual.

O drama que envolve as energias alternativas reside no fato de que elas foram sequestradas pela lógica do capital. Este visa lucro crescente e nunca toma em consideração as “externalidades” que não entram no cálculo econômico (como a degradação da natureza, a poluição do ar, o aquecimento global, o crescimento da pobreza). Elas somente são tomadas a sério quando forem tão negativas a ponto de prejudicarem as taxas de lucro do capital. Por isso, não nos enganemos com as empresas que alardeiam o caráter “verde” de sua produção. O “verde” vale desde que não afete os lucros nem diminua a capacidade de concorrência.

Importa dizer com todas as palavras: a busca de energias alternativas limpas não intenciona forjar formas de salvar o gênero humano e suas capacidades vitais mas visa a preservar a sorte do sistema do capital com sua lógica do ganha-perde.

Ora, esse sistema, com flexibilidade e adaptação espantosas, é capaz de produzir ilimitados bens e serviços mas sempre à custa da dominação da natureza e da criação de perversas desigualdades sociais. Hoje ele está encostando nos limites da Terra cujos recursos estão se extenuando. Está realizando a profecia de Marx segundo a qual ele iria destruir as duas fontes de sua riqueza: a natureza e o trabalho. Ora, estamos assistindo exatamente o cumprimento desta sinistra profecia.

A agroenergia não pode estar a serviço da reanimação de um moribundo mas deve reforçar a vida que demanda outro tipo de produção e de relação não destrutiva para com a natureza. O tempo para isso é urgente para não chegarmos atrasados.



(Envolverde/O autor)

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