sábado, 21 de março de 2009

Belém, capital do mundo (reportagem publicada na revista Viagem, da Editora Abril)

Calma. É do mundo da gastronomia. Eis um roteiro para entender como a cidade paraense se tornou um fenômeno internacional por causa de sua comida única
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Belém, a gente sabe, é um destino cativo no mapa turístico nacional. Você já ouviu falar de lugares como a Estação das Docas, o Museu Emílio Goeldi, o Teatro da Paz. Sem contar o monumental Círio de Nazaré, festa religiosa que atrai 2 milhões de fiéis. Mas Belém ganhou um novo status, que vai muito além de sua condição de porta de entrada da Amazônia. Hoje é uma das capitais gastronômicas... do mundo (sim, você leu certo). A cozinha belenense é uma atração à parte e vale um roteiro também à parte. Alguns famosos se encarregaram de emprestar notoriedade à causa. O cozinheiro-estrela Alex Atala é um deles. Dono do badaladíssimo restaurante D.O.M., em São Paulo, Alex não só visita a região regularmente como a apresentou aos intergaláticos chefs espanhóis Ferran Adrià e Juan Mari Arzak.

Essa sofisticação vem de longe. No século 17, padre Antônio Vieira já atestava que a mesa belenense de sua época era um banquete sem igual de peixes moqueados, caças e frutas da estação apreciadas pelos colonizadores portugueses. A Belém gastronômica é um interessante caldeirão de misturas étnicas. A comida indígena paraense - única verdadeiramente brasileira, segundo o filósofo José Arthur Gianotti - tem sabores africanos, portugueses, alemães, japoneses, libaneses, sírios, judeus, ingleses, barbadianos, espanhóis, franceses e italianos. Os povos que chegaram a Belém se encantaram com a cozinha nativa e, aos poucos, foram incorporando ingredientes locais às receitas de além-mar.

Os judeus marroquinos ficaram maravilhados com a quantidade de peixes com escamas do Rio Guamá. Por certo, riscaram do cardápio o filé de filhote (peixe de couro, popularíssimo na região) por causa de suas restrições alimentares, mas em Santarém celebravam a Páscoa com macaxeira frita ou cozida, cuscuz, tapioquinha, bolo de tapioca e pupunha com doce de cupuaçu. Libaneses e sírios formam até hoje uma importante colônia e, pouco depois de surgirem rio adentro, no fim do século 19, como mascates fluviais nas páginas de um romance de Milton Hatoum, trocaram o pistache e a tâmara pela castanha-do-pará na receita de seus famosos doces folhados.

Africanos remanescentes dos quilombos popularizaram o gergelim nos doces e as múltiplas pimentas (murupi, camapu, olho-de-peixe, cajurana). A maniçoba que me foi servida pelas cuidadosas mãos do Alcides no melhor restaurante da cidade, o Lá em Casa (Rua Dom Pedro I, 546, 91/3242-4222; Cc: A, D, M, V; Cd: M, R, V), do chef Paulo Martins, é um exemplo defi nitivo do casamento perfeito entre as raízes das cozinhas indígena e africana. Os índios, óbvio, são mestres ancestrais no preparo de mandioca, caldeiradas, peixes (piranha, pirarucu, surubim, tucunaré, tambaqui), folhas (maniva, chicória, alfavaca) e frutas (bacuri, ingá, guaraná, açaí, ginja, biriba - que dão deliciosos sorvetes). No Restô do Parque (Avenida Magalhães Barata, 830, 91/3229-8000; Cc: A, D, M, V; Cd: M, R, V), algumas dessas receitas regionais são servidas no bufê. Já no Boteco das Onze (Praça Frei Caetano Brandão, 91/3224-8599; Cc: D, M, V; Cd: M, R, V), elas podem ser saboreadas num clima intimista de luz baixa e música suave. E, na Sorveteria Cairu (são dez unidades na cidade, mas as principais ficam na Travessa 14 de Março, 1570, 91/3242-2749, na Travessa Dom Romualdo de Seixas, 1139, 91/3241-1602, e no Boulevard Castilhos França, Estação das Docas, 91/3212-5595), você encontra os melhores sabores - açaí e tapioca são os mais vendidos.

Os ingleses chegaram durante o próspero ciclo da borracha, trazendo construções pré-fabricadas que viraram cartão-postal, como o Mercado Ver-o-Peso (nos arredores do antigo Mercado de Ferro, montado junto ao cais, ficam as barracas de peixes e frutos do mar, que abrem das 6h às 14h; e a feira, aberta o dia todo, que vende frutas, raízes aromáticas, temperos, ervas e artesanato). Sua vocação culinária, sabemos, nunca foi lá essas coisas, mas, em compensação, os caribenhos de Barbados por eles empregados na construção civil legaram um interessante churrasco de peixe, o avoado. Por falar em peixe, Belém tem a segunda maior colônia nipônica do país, e o sashimi, servido em bons restaurantes na cidade, é preparado com as espécies da região. Um dos melhores é o Hatobá (Boulevard Castilhos França, Estação das Docas, 91/3212-3143; Cc: A, D, M, V; Cd: M, R, V).

São comuns nas docerias de Belém a torta de cupuaçu com queijo-do-reino (lá conhecido como queijo cuia) e o pastel de santa clara com recheio da mesma fruta, duas adaptações saborosas das clássicas sobremesas portuguesas. A Abelhuda (Avenida Gentil Bittencourt, 2125, 3249-6670; Cc: A, M, V; Cd: M, V) faz a melhor torta de cupuaçu com queijo cuia da cidade (eles chamam de casquinha por ser apenas uma massa lateral bem fina recheada com o creme).

O professor Aldrin Moura de Figueiredo, do departamento de história da Universidade Federal do Pará, lembra que, no fim do século 19, os belenenses endinheirados ofereciam a políticos e autoridades banquetes comandados por chefs franceses. Eram festins permanentes de peixes, caças e frutas da estação com cobertura de mimosidades chiques. Bem aos moldes de uma certa cozinha moderna, que agora parece ter reinventado a roda, para deleite dos paladares cosmopolitas.


Africanos remanescentes dos quilombos popularizaram o gergelim nos doces e as múltiplas pimentas (murupi, camapu, olho-de-peixe, cajurana). A maniçoba que me foi servida pelas cuidadosas mãos do Alcides no melhor restaurante da cidade, o Lá em Casa (Rua Dom Pedro I, 546, 91/3242-4222; Cc: A, D, M, V; Cd: M, R, V), do chef Paulo Martins, é um exemplo defi nitivo do casamento perfeito entre as raízes das cozinhas indígena e africana. Os índios, óbvio, são mestres ancestrais no preparo de mandioca, caldeiradas, peixes (piranha, pirarucu, surubim, tucunaré, tambaqui), folhas (maniva, chicória, alfavaca) e frutas (bacuri, ingá, guaraná, açaí, ginja, biriba - que dão deliciosos sorvetes). No Restô do Parque (Avenida Magalhães Barata, 830, 91/3229-8000; Cc: A, D, M, V; Cd: M, R, V), algumas dessas receitas regionais são servidas no bufê. Já no Boteco das Onze (Praça Frei Caetano Brandão, 91/3224-8599; Cc: D, M, V; Cd: M, R, V), elas podem ser saboreadas num clima intimista de luz baixa e música suave. E, na Sorveteria Cairu (são dez unidades na cidade, mas as principais ficam na Travessa 14 de Março, 1570, 91/3242-2749, na Travessa Dom Romualdo de Seixas, 1139, 91/3241-1602, e no Boulevard Castilhos França, Estação das Docas, 91/3212-5595), você encontra os melhores sabores - açaí e tapioca são os mais vendidos.

Os ingleses chegaram durante o próspero ciclo da borracha, trazendo construções pré-fabricadas que viraram cartão-postal, como o Mercado Ver-o-Peso (nos arredores do antigo Mercado de Ferro, montado junto ao cais, ficam as barracas de peixes e frutos do mar, que abrem das 6h às 14h; e a feira, aberta o dia todo, que vende frutas, raízes aromáticas, temperos, ervas e artesanato). Sua vocação culinária, sabemos, nunca foi lá essas coisas, mas, em compensação, os caribenhos de Barbados por eles empregados na construção civil legaram um interessante churrasco de peixe, o avoado. Por falar em peixe, Belém tem a segunda maior colônia nipônica do país, e o sashimi, servido em bons restaurantes na cidade, é preparado com as espécies da região. Um dos melhores é o Hatobá (Boulevard Castilhos França, Estação das Docas, 91/3212-3143; Cc: A, D, M, V; Cd: M, R, V).

São comuns nas docerias de Belém a torta de cupuaçu com queijo-do-reino (lá conhecido como queijo cuia) e o pastel de santa clara com recheio da mesma fruta, duas adaptações saborosas das clássicas sobremesas portuguesas. A Abelhuda (Avenida Gentil Bittencourt, 2125, 3249-6670; Cc: A, M, V; Cd: M, V) faz a melhor torta de cupuaçu com queijo cuia da cidade (eles chamam de casquinha por ser apenas uma massa lateral bem fina recheada com o creme).

O professor Aldrin Moura de Figueiredo, do departamento de história da Universidade Federal do Pará, lembra que, no fim do século 19, os belenenses endinheirados ofereciam a políticos e autoridades banquetes comandados por chefs franceses. Eram festins permanentes de peixes, caças e frutas da estação com cobertura de mimosidades chiques. Bem aos moldes de uma certa cozinha moderna, que agora parece ter reinventado a roda, para deleite dos paladares cosmopolitas.

Por: Edward Pimenta | Foto: Marcelo Soares

Publicado em 03/2009

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