quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Desigualdade: o Brasil é rico, mas não é justo

Envolverde

11 de agosto de 2010 às 17:38h

Por Frei Betto*

Relatório da ONU (Pnud), divulgado em julho, aponta o Brasil como o
terceiro pior índice de desigualdade no mundo. Quanto à distância
entre pobres e ricos, nosso país empata com o Equador e só fica atrás
de Bolívia, Haiti, Madagascar, Camarões, Tailândia e África do Sul.

Aqui temos uma das piores distribuições de renda do planeta. Entre os
15 países com maior diferença entre ricos e pobres, 10 se encontram na
América Latina e Caribe. Mulheres (que recebem salários menores que os
homens), negros e indígenas são os mais afetados pela desigualdade
social. No Brasil, apenas 5,1% dos brancos sobrevivem com o
equivalente a 30 dólares por mês (cerca de R$ 54). O percentual sobe
para 10,6% em relação a índios e negros.

Na América Latina, há menos desigualdade na Costa Rica, Argentina,
Venezuela e Uruguai. A ONU aponta como principais causas da
disparidade social a falta de acesso à educação, a política fiscal
injusta, os baixos salários e a dificuldade de dispor de serviços
básicos, como saúde, saneamento e transporte.

É verdade que nos últimos dez anos o governo brasileiro investiu na
redução da miséria. Nem por isso se conseguiu evitar que a
desigualdade se propague entre as futuras gerações. Segundo a ONU, 58%
da população brasileira mantém o mesmo perfil social de pobreza entre
duas gerações. No Canadá e países escandinavos, este índice é de 19%.

O que permite a redução da desigualdade é, em especial, o acesso à
educação de qualidade. No Brasil, em cada grupo de 100 habitantes,
apenas 9 possuem diploma universitário. Basta dizer que, a cada ano,
130 mil jovens, em todo o Brasil, ingressam nos cursos de engenharia.
Sobram 50 mil vagas… E apenas 30 mil chegam a se formar. Os demais
desistem por falta de capacidade para prosseguir os estudos, de
recursos para pagar a mensalidade ou necessidade de abandonar o curso
para garantir um lugar no mercado de trabalho.

Nas eleições deste ano votarão 135 milhões de brasileiros. Dos quais,
53% não terminaram o ensino fundamental. Que futuro terá este país se
a sangria da desescolaridade não for estancada?

Há, sim, melhoras em nosso país. Entre 2001 e 2008, a renda dos 10%
mais pobres cresceu seis vezes mais rapidamente que a dos 10% mais
ricos. A dos ricos cresceu 11,2%; a dos pobres, 72%. No entanto, há 25
anos, de acordo com dados do IPEA, este índice não muda: metade da
renda total do Brasil está em mãos dos 10% mais ricos do país. E os
50% mais pobres dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional.

Para operar uma drástica redução na desigualdade imperante em nosso
país é urgente promover a reforma agrária e multiplicar os mecanismos
de transferência de renda, como a Previdência Social. Hoje, 81,2
milhões de brasileiros são beneficiados pelo sistema previdenciário,
que promove de fato distribuição de renda.

Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das
propriedades rurais. E apenas 46 mil proprietários são donos de metade
das terras. Nossa estrutura fundiária é a mesma desde o Brasil
império! E quem dá emprego no campo não é o latifúndio nem o
agronegócio, é a agricultura familiar, que ocupa apenas 24% das
terras, mas emprega 75% dos trabalhadores rurais.

Hoje, os programas de transferência de renda do governo – incluindo
assistência social, Bolsa Família e aposentadorias – representam 20%
do total da renda das famílias brasileiras. Em 2008, 18,7 milhões de
pessoas viviam com menos de π do salário mínimo. Se não fossem as
políticas de transferência, seriam 40,5 milhões. Isso significa que,
nesses últimos anos, o governo Lula tirou da miséria 21,8 milhões de
pessoas. Em 1978, apenas 8,3% das famílias brasileiras recebiam
transferência de renda. Em 2008 eram 58,3%.

É uma falácia dizer que, ao promover transferência de renda, o governo
está “sustentando vagabundos”. O governo sustenta vagabundos quando
não pune os corruptos, o nepotismo, as licitações fajutas, a
malversação de dinheiro público. Transferir renda aos mais pobres é
dever, em especial num país em que o governo irriga o mercado
financeiro engordando a fortuna dos especuladores que nada produzem. A
questão reside em ensinar a pescar, em vez de dar o peixe. Entenda-se:
encontrar a porta de saída do Bolsa Família.

Todas as pesquisas comprovam que os mais pobres, ao obterem um pouco
mais de renda, investem em qualidade de vida, como saúde, educação e
moradia.

O Brasil é rico, mas não é justo.

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