***Este texto foi escrito em 2006. Vejam como se mantém atual. O Livro citado no final do texto, de Mike Davis, já está publicado no Brasil com o nome Planeta Favela, da Boitempo Editorial ***
Emir Sader
Sociólogo
O historiador britânico Eric Hobsbawn havia destacado que uma das características do século 20 teria sido a de que, pela primeira vez na história da humanidade, mais gente viveria nas cidades que no campo. Tudo depende do critério do que seja população urbana. Para as Nações Unidas, neste ano se dará a passagem histórica.
O ritmo acelerado de crescimento das cidades, no entanto, em vez de representar a transição para um tipo de vida mais civilizado, produz nos grandes conglomerados urbanos a representação mais aguda do caos, que a desordem capitalista gera. O novo relatório das Nações Unidas - chamado UN-habitat, o estado das cidades 2006/07 -, apresentado na semana passada, relata o drama dos conglomerados urbanos no mundo.
As megacidades - com mais de 20 milhões de habitantes - tendem a se multiplicar. Hoje, Pequim tem 15 milhões de habitantes. Em 2020 haverá nove megacidades com mais de 20 milhões de habitantes: Cidade do México, São Paulo, Lagos (Nigéria), Mumbai e Nova Delhi (Índia), Daca (Bangladesh), Jacarta (Indonésia), Tóquio (Japão) e Nova York (EUA) - apenas as duas últimas situadas no centro do capitalismo.
Mas essas megacidades apresentam um quadro assustador, com centros tradicionais cercados por grandes zonas marginais, em que primam as favelas. Dos 6, 5 bilhões de habitantes do mundo atualmente, uma de cada três pessoas vive em favela ou em situações similares às das favelas. A população total desse tipo de habitação chegará, no próximo ano, a 1 bilhão de pessoas.
Três fatores principais explicam esse crescimento: a expansão demográfica na periferia do capitalismo, a redefinição dos critérios das zonas rurais e a migração do campo para as cidades. A previsão da ONU é a de que, em 2030, viverão nas cidades 5 bilhões de pessoas, do total de 8,1 bilhões de habitantes.
Por isso, o documento afirma: "Este relatório deixa claro que a luta global depende em grande medida do estado das cidades. Melhorar a vida nas favelas terá automaticamente um impacto positivo para cumprir os objetivos do milênio. A formação de favelas não é nem inevitável, nem aceitável. Tirar os pobres da cidade não é opção: ajudá-los a se integrar no tecido urbano é a única solução sustentável ao crescimento da pobreza no mundo urbanizado".
Será necessário investimento de US$ 67 bilhões para cumprir um dos objetivos do milênio: conseguir que, em 2020, pelo menos 100 milhões de pessoas que vivem em favelas melhorem as condições de vida. Vancouver, onde se reuniu na semana passada o Fórum Urbano Mundial - o primeiro deles se reuniu há 30 anos, na mesma cidade -- foi eleita a melhor cidade do mundo por sua qualidade de vida.
Multiculturalismo, equilíbrio ecológico, infra-estruturas eficientes, riqueza cultural, fácil acesso a bens e serviços e baixo índice de criminalidade - foram os critérios utilizados para atribuir essa posição a Vancouver. Nada menos que 46% de seus habitantes são imigrantes, a maioria originária de países asiáticos, menos da metade usa o inglês como primeiro idioma. Políticas de inclusão social e melhoria das relações interculturais favoreceram a integração e o desenvolvimento econômico dos imigrantes.
No pólo oposto está Mumbai, na Índia, com seus 18,3 milhões de habitantes. Cinco milhões deles vivem em favelas, em péssimas condições de habitação, de saneamento, de transporte, de acesso à água.
Na periferia das grandes metrópoles cresce o setor social que representa a maioria da população da humanidade: as crianças e jovens pobres. São órfãos da urbanização. Trabalham nos mais diferentes tipos de atividades, combinam vários ao mesmo tempo, se socializam nas ruas ou em igrejas, às vezes no narcotráfico. Não têm identidades próprias, vivem em situações de risco permanentes. São vítimas da violência, da discriminação, da marginalização. Seu destino interessa pouco ou nada às elites, porque são excedentes do mercado de trabalho capitalista, tampouco são os trabalhares altamente especializados do futuro, nem os consumidores de luxo que a alta esfera do mercado demanda.
O título deste artigo é retirado do nome do livro de Mike Davis, que será publicado este ano no Brasil e reflete a realidade mais grave e importante, resultado das transformações regressivas que as políticas neoliberais produziram, reduzindo a promessa civilizatória da modernidade a uma das maiores lacras do mundo contemporâneo.
terça-feira, 28 de abril de 2009
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