Kátia Maia - Coordenadora da Oxfam Internacional no Brasil.
O protagonista do filme "Quero ser milionário", Jamal Malik, foi criado em uma favela de Mumbai (Bombaim), na Índia, perdeu seus pais por causa da violência religiosa, morou em um lixão e chegou a se envolver com bandidos antes de ganhar um prêmio oferecido por um programa de televisão do tipo "Show do Milhão" e conquistar a sua amada. O que o filme não retratou, no entanto, foi uma ameaça crescente à vida de Jamal e à de outros moradores de sua cidade, o clima.
Mumbai é das mais vulneráveis a enchentes do mundo, e mais da metade de sua população de 13 milhões vive em favelas que proliferam, em grande parte, em áreas alagadiças, impróprias para ocupação humana. Em julho de 2005, enchentes mataram 900 pessoas na cidade, a maioria em quedas de barreiras e desmoronamentos. Sistemas de drenagem caindo aos pedaços, uma ocupação desordenada e a destruição de manguezais que no passado absorviam as chuvas intensas estão aumentando cada vez mais os riscos climáticos enfrentados pela população em situação de pobreza dessa megacidade.
E isso não acontece apenas em Mumbai. Por toda Ásia, África e América, o intenso processo de expansão e urbanização observado em cidades como Jacarta, Lagos e Porto Príncipe, para não falar das capitais brasileiras, força pessoas a morar em áreas marginais sujeitas a enchentes e a outros desastres ecológicos. Análises feitas pela Oxfam ("The right to survive", publicado nesta semana) revelam que, em apenas seis anos, o número de pessoas afetadas por crises climáticas deve aumentar 54%, de 250 para 375 milhões.
Muitos desastres naturais não chegam a ser manchete. Mas os efeitos cumulativos desses fenômenos são, no entanto, devastadores. Como John Holmes, o coordenador de Ajuda Humanitária da ONU, observou, "isoladamente, as mortes provocadas por esses eventos podem não impressionar como deviam, mas, somadas, elas caracterizam um megadesastre". Em 2006, o mundo gastou cerca de US$ 14,2 bilhões com ajuda humanitária internacional, menos do que foi gasto em videogames. Mas, para fazer frente à esperada intensificação de desastres naturais, o mundo precisará gastar cerca de US$ 25 bilhões somente para manter o volume de ajuda humanitária atual.Considerando, no entanto, que essa ajuda é de US$ 50 por pessoa, percebe-se claramente que ela é insuficiente para satisfazer as necessidades mais básicas do ser humano.
Além de maior, a ajuda deveria ser gasta de maneira mais justa. Em 2004, as vítimas do tsunami asiático receberam, em média, 1.241 dólares cada em ajuda humanitária. No Chade, que teve uma cobertura jornalística bem menor que a do tsunami, somente US$ 23 per capita foram gastos com pessoas que sofreram perdas semelhantes. A diferença delas foi a de terem sofrido um desastre lento, silencioso e traiçoeiro.
Países pobres podem tomar muitas medidas para fazer frente aos efeitos de tempestades e enchentes - desde que tenham vontade política. Bangladesh, Cuba e Moçambique investiram maciçamente em medidas de proteção para suas populações e estão perdendo menos vidas por causa de desastres naturais do que outros países igualmente pobres. Com uma ajuda adicional de nações ricas, países mais vulneráveis poderiam seguir esses exemplos.
Além de disponibilizarem uma ajuda humanitária melhor e maior, os países ricos devem ajudar países pobres a enfrentar a tensão adicional gerada pelas mudanças climáticas. A Oxfam estima que os países ricos precisam disponibilizar pelo menos US$ 50 bilhões por ano- além de seus atuais orçamentos de ajuda humanitária - para ajudar as pessoas a se proteger das mudanças climáticas. Com esse objetivo em vista, será necessário desenvolver culturas tolerantes a secas ou enchentes, garantir uma melhor infra-estrutura, construir pontes e estradas em áreas sujeitas a enchentes ou fortalecer edificações para que não desmoronem diante de um crescente de furacões e tempestades.
Preparar regiões inteiras para lidar melhor com desastres naturais será um trabalho longo e árduo. Afinal, poucos políticos do mundo ocidental serão aclamados por aumentar orçamentos de ajuda humanitária em tempos de crise e recessão. Nenhum diretor de Hollywood ganhou um Oscar por fazer um filme sobre um indiano que levanta um dique para salvar a favela onde mora. Mas esse fato não torna esse trabalho menos urgente ou importante.
domingo, 26 de abril de 2009
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